Minha irmã morou em Berlim durante muitos anos e se mudou recentemente para Portugal em busca de um clima mais ameno bem como um povo mais mais humano e solidário. Como latina, conexões mais sanguineas e mais expressivas pareceram fundamentais para ela e sua família.
Ao saber de tal mudança, tive minhas dúvidas se seria um bom negócio, afinal a Alemanha é uma superpotência, a principal força econômica da Europa, um país visto como um baluarte do desenvolvimento e da cidadania. Ao questioná-la ela respondeu imediatamente: "não é bem assim, Beto".
Em seguida passou a me contar sobre o crescimento do abandono dos idosos no país. "Beto, os velhinhos são postos em asilos e esquecidos, seus parentes aparecem no Natal, lhes entregam um presente e somem novamente".
Aquilo me deu um susto. "É uma questão cultural, maninho". Ela completou. Eu não fazia ideia, e como poderia? Continuou, "com a crise pós pandemia, a situação piorou ainda mais". Isso poderia ser trágico o bastante, mas a história fica ainda pior.
Hoje me deparei com um texto abordando o enorme contingente de pessoas que morrem sozinhas na Alemanha, sem nenhuma presença em seus funerais. O estado então realiza uma cerimônia chamada "funeral de ordem pública" para dar conta do corpo. Um nome que me parece burocrático, seco e por que não, abjeto.
O texto remete ao caso de um homem de 46 anos que foi encontrado em seu apartamento em Gelsenkirchen, cidade da região do Vale do Ruhr, 8 meses após sua morte. Ninguém sentiu falta dele. Nenhum parente, amigo ou vizinho soube dizer algo dele.
"Em Hamburgo, a segunda maior cidade da Alemanha, é particularmente surpreendente: de acordo com um levantamento dos cemitérios da cidade, o número de enterros de ordem pública mais que dobrou entre 2007 e 2017. Foram mais de 1.200 no ano passado".
O texto então discorre sobre números e fatos incríveis sobre a situação dos idosos na Alemanha, que com o aperto da situação financeira e o isolamento, simplesmente não conseguem a dignidade de um enterro apropriado.
Algumas igrejas e agentes funerários se unem a fim de organizarem um memorial para os mortos abandonados, vez que os chamados "enterros sociais", que podem ser solicitados pelas famílias, impendem muito tempo e burocracia.
Muitas outras informações deprimentes e quase surreais são apresentadas na matéria, mas o que quero chamar atenção aqui é sobre algo mais abrangente. Que merda está acontecendo?! Desde quando nos tornamos selvagens novamente? Nos primórdios de nossa humanidade já passamos a enterrar nossos mortos. Que miséria de país é esse que entrega seus velhos ao esquecimento de forma tão frequente e contumaz? Será que o maldito individualismo que impera no planeta é tão cruel e obtuso que faz as pessoas se esquecerem que também ficaram velhas? Ou pior...que cultura poderia justificar tal infâmia?
O serviço social então tem tentado promover reuniões desses idosos a fim de que se encontrem e façam amizades, pois não conseguem fazer isso sozinhos. Mas onde estão seus filhos? Seus irmãos? Suas famílias? A que ponto chegamos em pleno 2023. E o pior, isso acontece em uma nação rica, em que pese existirem pessoas em dificuldades econômicas. Ou seja, o grande problema mesmo está nas pessoas.
Que futuro aguarda nosso planeta? Um mundo onde seres humanos são abandonados, desolados, seus corpos esquecidos, cujas únicas testemunhas serão os vermes? Se isso não te deprime, então não sei mais o que poderia. Vivemos como ilhas com celulares em punho, os jovens isolados em seus quartos, falando com algoritmos que controlam "inteligências artificiais". Onde foi para a inteligência natural? Onde foi parar a empatia e a humanidade? Crescemos como civilização sendo gregários, confraternizando, NOS IMPORTANDO.
Confesso que está bem difícil acreditar em uma redenção. Será assim então? Cada um por si? Que projeção sombria e nefasta nos aguarda. Um mundo de moral maleável, habitado por seres egotistas, onde o individualismo será endeusado e será o norte de nossas ações e desejos. Será que realmente existe alguma alma que acredite que vai dar certo? Alguém por favor pare o mundo que eu quero descer.
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