Você já esteve em uma relação e se sentiu mais sozinho do que nunca? Você já se contentou com um laço onde a mera presença física parecia ser suficiente porque julgava que a ausência seria insuportável? Por que o medo da solidão te fazia persistir em uma história onde foi abandonado e abusado inúmeras vezes? Por que você nunca foi suficiente para si mesmo? Por que não se amava?
Vivemos uma epidemia de solidão, fato notório e fartamente documentado através de números, de estatísticas. Mais trágico do que isso é o relato cada vez mais frequente da solidão dentro das relações. E esse talvez seja o pior tipo de solidão. A dos desencontros dentro do mesmo quarto. Das refeições silenciosas. Da prisão muda dos dias cinzas.
O medo leva a isso. O medo de sofrer que conduz ao não viver. À mortificação da alma e do apagar da chama interna consignada em uma conexão onde a ausência emocional infecta o espírito usando a carne como um mero abrigo para o vazio.
A inércia contamina o enlace o tornando robótico e o sexo é automático, condicionado, sem beijo, sem saliva, sem gosto. Por vezes leva tempo para se perceber que o medo de sofrer nos faz vendar nossos olhos para o fato de que é justamente aquela mesma pessoa que tememos perder que nos causa o sofrimento. Por que fazemos isso? Nos cegamos. Nos omitimos. Será que o temor de ser feliz é maior do que o temor de sofrer? E então castramos nossa possibilidade de felicidade? A amputamos como se fora um membro podre garantindo a migalha que eventualmente é jogada?
Por que optamos pela certeza do sofrer ao invés da possibilidade do prazer? Mentimos para os amigos dizendo que está tudo bem, porque queremos realmente acreditar que está tudo bem. Nos boicotamos então. Constituímos novas relações idênticas, repetimos padrões, varremos sentimentos, intuições, buscamos sentido no outro mas não em nós mesmos. Sempre falha, não?
A resposta materialista dura algumas horas porque um novo tênis não tapa o buraco existencial. E você olha para o lado, lê as notícias, e todos parecem iguais a você em um desencontro epidêmico, contagioso. Em sua sensibilidade você percebe cegos guiando os outros cegos. O vazio que sente é como uma óstia comungada por milhões em um mundo que aos poucos se quebra. A sensação de não pertencimento não pode ser perpetuamente escondida em “stories”. Todos já perceberam isso. Alguns apenas fingem que não.
As pessoas então, na ânsia de buscar ar, afogam quem está próximo. Os magos, os profetas, os posts de autoajuda se proliferam, oferecendo soluções mágicas, imediatas, encapsuladas, a fim de aliviar questões que se estabeleceram décadas atrás dentro das pessoas. Mas em uma sociedade que se acostumou a querer tudo hoje, como investir em autoconhecimento? Como dividir as vicissitudes com outro humano, mesmo preparado, se ouvir o que a própria voz diz, é doloroso?
Olhar para a parte do iceberg que está submersa dá um enorme trabalho, requer coragem, traz sofrimento. Melhor uma pílula, não? Talvez álcool. Sexo? Compras? Um Iphone novo? É tudo a mesma coisa. Ou não é.
Todos querem e precisam de PROPÓSITO. Própósito não é uma casa, um caso, um filho, mais uma vagina ou pênis, dinheiro, um namorado, uma esposa. Propósito é uma maneira de exergar a vida e vivê-la de uma forma que transceda a sua própria existência, seu próprio ego, seu próprio eu. Propósito é algo que você faz para o mundo. Algo que você deixa. Uma marca. Mesmo que seja em apenas uma pessoa.
“Eu, eu, eu”. A infelicidade do triunvirato maldito do individualismo, narcisismo e instrumentalismo não está resolvendo, não é mesmo? Tiro no pé? Por que será que quando fazemos uma caridade (genuína, não divulgada) nos sentimos tão bem? Será que é por que percebemos que há mais do que o universo solipsista para qual nos catapultamos quando nos borramos de medo da vida?
Nas relações modernas entregamos muito ao outro. Não exatamente PELO outro, mas porque é cômodo. Nos permitimos tudo pelo outro. Depois julgamos os pechelingues, os ladrões, os sicofantas, quando nos roubam a alma e os bens. Mas queríamos entregar a chave do cofre, não queríamos? Era conveniente. Dependência e codepêndencia. Um faz tudo, é o centro de tudo, e outro tudo permite, se anula, se apaga. O jogo é de mão dupla.
A relativização comeu a mente das pessoas e se tornou o “ultimo refúgio dos canalhas”. Qualquer coisa é melhor do que enfrentar os próprios demônios, os próprios erros, assumir os enganos. Quem aceita ser ingênuo em uma sociedade onde o malandro é glorificado? Melhor até ser abusado, como pessoas que engatam uma relação tóxica na outra porque pelo menos vivem em um ambiente que conhecem. Ser feliz não é natural para elas, a toxicidade sim. Aprenderam isso muito cedo.
Mas com alguma sorte um dia se acerta. Você diz chega. Não para os outros. Para si mesmo. E ressignifica sua existência. Não sem muito trabalho e muita dor. Estabelece relações produtivas, não simbióticas. Conserva e recupera sua identidade, ama e transa de verdade. Divide uma cerveja, aprende coisas novas, conversa até de madrugada, para de se importar com o que os outros irão pensar, e toda a mentira e ilusão se torna desnecessária. Perde o sentido. Assim como um monte de merda enfurnada no armário.
É “O” caminho. Nem todos terão a coragem de segui-lo. Mas é a única estrada possível para que tudo e todos que você permitir que entrem em sua vida te empurrem para cima e para uma existência que vale a pena. Está tudo dentro de nós. Sempre esteve. Quais são suas prioridades? O que você está disposto a deixar para trás para dar um passo para frente?
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