Vivemos tempos estranhos. A tecnologia avança rapidamente e toma conta de nossas vidas, controla nossas ações, interfere em nossa privacidade, nos expõe e nos fragiliza.
Não é raro que tais consequências chegassem a nossos corpos. Há uma desenfreada corrida contra o envelhecimento físico, uma luta contra a inevitável mortalidade. Assim, cada vez mais tentamos ser plástico face a natureza imutável e inumana desse material. A artificialidade atinge a carne com enorme frequência, simulando unhas, seios, músculos, em odes ao artificial para atender ao ego e terceiros que nos julgam. A carne é rasgada criando ciborgues histriônicos ansiosos por likes e aceitação.
O processo é frenético, impiedoso, com redes sociais sempre prontas para cuspir um veredito tão cruel quanto estúpido. A pele é analisada, as olheiras disfarçadas, a calvície atacada. A luta contra o tempo é a nova meta a ser alcançada e vale tudo para isso. Litros de Botox são aplicados em lábios ávidos para serem beijados, a "harmonização facial" se propaga em mentes desarmonizadas, provando que a única coisa que avançou de fato é a regressão psicológica para um estágio mental de desenvolvimento anterior. A adolescência não é mais tardia, é perene.
Sim, a proximidade da mortalidade com chegada da idade e seu condão e consequências, parece criar para muitos a ilusão de que podemos fazer o tempo parar ou até regredir. As crises e neuroses oriundas da finitude tem gerado não aceitação, mas miragens de eternidade e juventude.
As fases da vida precisam ser vividas plenamente para que resgates não sejam necessários. O enfrentamento de traumas e o crescimento intelectual precisam caminhar junto com nossos corpos, criando uma espécie de conforto em nosso ser.
Há méritos e prazeres para cada estação, e tentar enganar o tempo é tentar enganar a nós mesmos. Há que se envelhecer com saúde e dignidade, todo o resto é efêmero. Os prazeres mudam e se adaptam, mas não são menores. As prioridades são redirecionadas e encarar a realidade e se posicionar corretamente dentro de seu tempo traz muito mais refrigério do que lutar uma batalha que jamais será vencida.
Há uma enorme beleza na humanidade que parecer fugir a nossos olhos em um mundo tão vil. Existe graça nas rugas, histórias nas cicatrizes, afeto nos abraços senis. Tudo que um dia fomos e tudo em que nos tornaremos até não mais existirmos merece ser vivido plenamente e realisticamente, para que só então abracemos o cosmos como poeira das estrelas. Jovens...envelheçam.
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