Poucos assuntos despertam tanto interesse atualmente quanto o narcisismo. E dentre os tópicos inseridos nesse tema, está a indagação da vítima anterior (suprimento anterior), acerca da aparente felicidade da nova vítima (novo suprimento). Vamos esclarecer tal miragem de forma mais minuciosa.
É absolutamente comum poucos dias ou meses após o término de uma relação, o/a narcisista (50% dos narcisistas são mulheres) aparecer com uma nova vítima. E via de regra esse anúncio é feito de forma pública ou direcionada ao suprimento anterior. Ele é eivado de uma suposta felicidade e de glamour. É como se o narcisista nunca tivesse sido tão feliz.
Ele levará a nova vítima aos lugares que levava a anterior, fará coisas parecidas que fazia com a vítima anterior, mas se portará como se o mundo fosse agora perfeito. É como se rapidamente, não importando quanto tempo durou a relação passada, tudo o que fora vivido tivesse sido esquecido ou de nada tivesse valido. Mas é preciso entender que o narcisista não experimenta o luto como pessoas normais. Ele possui um “apego” peculiar e distinto que Sam Vacknin chamou de “flat attachment”.
Nesse tipo de apego, próprio de narcisistas patológicos e psicopatas, há apenas uma mera substituição, uma “desintegração” da pessoa da relação anterior, uma substituição oportuna face à necessidade constante de validação que o narcisista possui. O luto é suprimido e por isso o transtornado segue em frente tão velozmente. É cristalino que aquela pessoa nova JÁ estava lá. Não é preciso um exercício intelectual muito grande para perceber isso. Como o narcisista não enxerga o outro como uma “pessoa”, mas sim como suprimento, é fácil para ele fazer essa substituição. Trair e mentir é absolutamente natural para o narcisista, porém ele jamais assume tais comportamentos na medida em que isso afetaria sua imagem.
A velocidade com que tudo acontece é uma das características mais comuns em uma relação com uma pessoa com tal transtorno. Talvez não exista maior “red flag” do que a rapidez como as coisas acontecem. O narcisista diz que ama, que quer namorar, casar e ter filhos, extremamente rápido. Isso faz parte da maneira de agir relacionada à sua personalidade doentia. A fim de evitar ser desmacarado ele precisa correr e assegurar que sua vítima esteja dominada, isolada e “apaixonada”. Mas é tudo uma farsa. SEMPRE é.
Há uma boa fração de sadismo no comportamento narcísico. Dessa forma, tais “recados” em redes sociais têm o mero fito de atingir a vítima anterior, que fica sem compreender como pode ter sido trocada tão rápido. E mais, se questiona sobre seu valor e sobre a veracidade do que viveu com o narcisista. A pessoa que foi descartada não se dá conta de que o que o novo suprimento está vivendo é exatamente o que ela própria viveu, e que em breve os problemas e abusos também começarão (se é que já não começaram) na atual relação do narcisista.
Os ciclos de idealização, desvalorização e descarte são inexoráveis, e o tempo que levarão para se cumprir depende da qualidade de suprimento ofertado pela vítima (validação, sexo e serviços). Quanto mais submissa às vontades do narcisista, normalmente mais tempo a relação irá durar. Toda relação com um narcisista é de dependência. De ambos os lados.
Sendo assim, é preciso que se entenda que a nova relação está muito longe de ser perfeita. Pelo contrário. O narcisista é extremamente preocupado com sua imagem, com o que passa para as pessoas fora da intimidade de sua casa. A ideia de relações ultra felizes, de sucesso material, de ser alguém generoso, por vezes religioso, amante de animais, é fundamental para o narcisista. Assim como fazer a vítima anterior se sentir desvalorizada. É tudo uma fachada.
As provocações, os recados em redes sociais, a “felicidade” que precisa ser exposta, têm relação direta com o transtorno de personalidade narcisista. Mesmo que o narcisista não saiba que o possua. O que a vítima anterior desconhece, é que tudo o que viveu, os abusos, as brigas, as traições, as mentiras, a frieza, a indiferença, os beijos e abraços sem vida, se repetirão na nova relação ultrapassada a fase inicial de idealização.
Outro conceito errado é o de que o tempo de relação determina a qualidade do que é vivido. Isso não poderia ser mais equivocado. Muitas vezes a vítima é extremamente subserviente ao abusador, o que evidentemente aumenta a duração da conexão, mas isso não quer dizer que os abusos não ocorrem e que não sejam enormes.
Quando se trata de narcisismo, apenas os FATOS interessam a fim de se verificar a realidade. Narcisistas se apoderam da narrativa a fim de preservar sua imagem. Influenciam outras pessoas, amigos, família, colegas de trabalho, espalham mentiras em redes sociais. Enquanto isso, a vítima fica obececada com vingança, karma, com a nova vida do narcisista, mas na medida em que há aprofundamento no assunto, se compreende que a única “vingança”é a INDIFERENÇA. Nada atinge mais o falso ego do narcisista do que a indiferença.
Karma? A própria vida do narcisista é seu karma. A impossibilidade de amar, de ser genuinamente feliz, a paranoia frequentemente desenvolvida pelo mal que fez a tantas pessoas de quem roubou, de quem furtou, de quem apropriou bens indevidamente, para quem mentiu de forma contumaz, a certeza de que destruiu famílias, que usou pessoas emocionalmente e sexualmente, a sensação de que nada e ninguém é o bastante, é “karma” mais do que suficiente. O narcisista é um ser abjeto, uma mera máscara vulgar onde se esconde de muitos, mas jamais de si mesmo.
Dessa forma, a vítima descartada não precisa invejar o novo suprimento. Na verdade ela deveria agradecê-lo por ter, por via oblíqua, a livrado de tamanho vampiro. Ela apenas não se deu conta disso. Ainda.
Sim. A nova vítima experimentará tudo o que a anterior viveu. Todas as noites mal dormidas, todas inseguranças, todos os sintomas físicos, toda a sensação de solidão e isolamento pertinentes a uma relação tão tóxica quanto a vivida com um ser tão desprezível. Então por que ela deveria se sentir mal? A vítima descartada deve continuar seu caminho de cura e entendimento na estrada de novas conexões e encontros. Mas dessa vez, calcados na realidade e não em uma fantasia. Em algo que jamais existiu. E se não existiu, não deveria doer tanto.
“Você era feliz com o narcisista? Então por que acredita que a nova vítima seria?” No momento em que a vítima se dá conta disso, tudo muda. Garantido...