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Foto do escritorHP Charles

Adolescência tardia

Atualizado: 20 de nov. de 2023

Outro dia li um artigo onde "especialistas", sempre eles, afirmavam que a adolescência fora empurrada para os 24 anos, não mais se encerrando aos 18. Isso se daria pela extensão da estimativa de vida. Que bela justificativa para se tratar adultos como crianças, não?


Tenho ouvido relatos e mais relatos de amigos e conhecidos sobre a dificuldade de lidar com seus filhos que parecem jamais querer deixar a adolescência. Pois pelo que tenho visto 24 anos foi uma avaliação generosa. Que tal 30?


É impressionante como os gostos e preferências tem se mantido juvenis no que concerne a livros, cinema e música. A cultura não apenas empobreceu, mas vai ficando com sabor de miojo com nugget. Outra coisa que me causa espanto é como há um bater de pezinho quando se discute qualquer contrariedade ou vicissitude entre os mais jovens, como se a vida devesse algo a alguém e como se tudo precisasse ser resolvido imediatamente.


Me parece que os interesses se transformam em desinteresses rapidamente, como se houvesse um cansaço com cronógrafo. As relações parecem sofrer com isso pois se tornaram extremamente fugazes, visto que são facilmente criadas e desfeitas em poucos cliques, em likes e bloqueios. O amor romântico também padece, aparece com intensidade a figura do "ghosting". Ficou fácil, entendem?


O "nude" parece ter se tornado a moeda do amor e enlaces apenas virtuais se criam e se desfazem com a velocidade da luz. O binário norteia tudo a nosso redor, é sim ou não e pronto. Há pouco espaço para o meio termo, para o meio do caminho, para encontros genuínos.


É claro que em um mundo de fantasias e de ilusões, a adolescência seria prorrogada. A vida adulta impende lidar diariamente com a realidade e nada mais te chama para a realidade do que um boleto.


Sim, é claro que há exceções e a educação familiar consegue ainda, em muitos casos, frear essa infantilização. Mas o tema impõe algumas generalizações, evidentemente.


O fato é que tenho visto muita gente de 30 fingir que tem 15 e até pessoas de 40 regredindo para os 20 como se a vida permitisse isso. Uma vez ouvi de um psicanalista que "aos 40 você até pode ser um lambreteiro, mas será um lambreteiro de 40".


Não há dúvidas que essa regressão e crises pessoais sempre existiram, mas agora encontram um terreno propício onde as miragens e fantasias tem muito mais força. Tudo é muito mais veloz. Mas também mais oco e banal.


É natural que pessoas mais velhas se sintam deslocadas no meio dessa correria. Pertencem a um mundo mais moroso onde as respostas demandavam uma viagem até a biblioteca. Tudo era mundo mais orgânico e substancial.


Possuo um amigo tão querido que considero irmão. Sua esposa me confidenciou que se preocupava muito com o fato dele não conseguir estabelecer conexões profundas a não ser com seus amigos de infância. No mesmo momento o entendi, compreendendo que seu problema era o referencial. Que se sentia perdido sem os faróis que coordenavam sua vida. Confesso que me identifiquei na hora e não poderia ser diferente.


Me pergunto honestamente como estão andando as amizades em tempos de likes. Os laços seriam os mesmos construídos como foram em minha infância, por exemplo? Não sei dizer. O mundo mudou e os valores vão se esfacelando rapidamente.


Vamos então driblando a vida, jogando a bola por baixo das pernas do tempo, atrasando a partida em busca de gols inalcançáveis, marcados sempre por jovens eternos. Como será que terminará o jogo?

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