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Foto do escritorHP Charles

Bauman e os relacionamentos modernos.

Atualizado: 27 de nov. de 2023

O falecido filósofo e sociólogo polônes Zygmunt Bauman, em seu livro "Amor Líquido", aborda de maneira perspicaz e reveladora a mudança cristalina nas relações hodiernas, nos esclarecendo sobre a alteração na essência dos laços afetivos amorosos atuais.


Bauman nos alerta sobre a transformação sofrida nas "conexões" modernas, onde os "prazeres do convívio" e os "horrores da clausura" são propalados de forma dicotômica e concomitante. Estariam mesmo as pessoas procurando relacionamentos duradouros como afirmam? Ou o desejo real é de que eles sejam "leves e frouxos" para que possam ser colocados de lado a qualquer momento com o mínimo de dor ou trabalho?


Dessa forma, o autor nos propõe a imaginar se queremos de fato nos relacionar de maneira profunda ou na verdade a preocupação real é evitar que as relações se tornem "congeladas e coaguladas". Nos chama atenção sobre a exaltação midiática e de especialistas sobre o "louvor" de "revolucionários do relacionamento que romperam a bolha sufocante dos casais".


Com isso, qualquer compromisso a longo prazo seria uma armadilha que deveria ser evitada pois poderia fechar a porta para outras relações mais satisfatórias e pertinentes. Em síntese apertada, a proposta moderna enaltece que os portões sempre estejam escancarados. A mim isso me parece, apesar de real, mais do que trágico...é insustentável a longo prazo.


Notem que uma "rede" de relações serve tanto para conexões como para desconexões. As palavras não são usadas de forma aleatória. Com isso, uma "conexão indesejável" pode e é rompida antes que se comece a destestá-la ou tão logo surja outra que aparentemente traga mais vantagens. O individualismo então norteia as relações atuais as tornando fragéis, pouco significantes ou confiáveis. Os namoros são descartáveis e os casamentos não são mais casamentos na medida em que os votos são rompidos pelo mero e simples desejo mais trivial, decorrente de tédio ou aborrecimentos cotidianos.


Os relacionamentos virtuais surgem e desaparecem de forma veloz e em volume cada vez maior, com a promessa de serem melhores e mais potentes, apelando para o ego, para o "eu", em celulares, em desktops, em DMs. Como competir com a "coisa autêntica", pesada e lenta dos relacionamentos antigos e tradicionais? Neles não há tecla de deletar.


Para Bauman vivemos o resultado de uma cultura consumista em que todo produto precisa ser imediato e "pronto para uso", gerando prazer passageiro e satisfação instantânea, sem maiores esforços, com garantia total e devolução do dinheiro.


Evidentemente tais promessas são falsas, vez que a oferta é enganosa. Há apenas o desejo ardente de que sejam verdadeiras. O amor então se torna uma mercadoria qualquer que fascina e seduz "como o esforço sem suor e o resultado sem esforço".


Para o filósofo, o que experimentamos hoje não parece ser amor, mas uma distorção dele. Como poderia ser se "amar é contribuir para o mundo", se no amor o "eu que ama se expande doando-se ao objeto amado"? É evidente que não é isso o que vem ocorrendo hoje com o fenômeno da hipergamia e dos laços abstratos.


Uma outra abordagem interessante do autor é a linha que traça sobre o amor e o impulso de compra experimentado nos Shopping Centers, onde a intenção é a "rápida extinção dos impulsos, e não a incômoda e prolongada maturação dos desejos. No caso das relações modernas haveria algo similar, particularmente nas parcerias sexuais, onde a vazão aos impulsos seria deixar sempre aberta possibilidades para novos encontros românticos. Teríamos então atualmente, por esse raciocínio, "shoppings de amor ou sexo" em nossos celulares e redes sociais?


Usaríamos a mesma premissa de compra imediata que usamos com nossos cartões de crédito e ao menor sinal de defeito da mercadoria a mesma seria trocada por outra de forma implacável e indiferente?


Sim, Bauman reconhece que os relacionamentos são investimentos como quaisquer outros, mas você jurou lealdade às ações que adquiriu? Prometeu fidelidade àquela aplicação bancária nos bons e maus momentos? Na pobreza e na riqueza?


O polonês segue sua linha de ilações e observações inteligentes e pertinentes ao longo de todo o livro, abordando as novas formas de relações que se estabelecem como produtos de uma prateleira qualquer. Discorre sobre a imediatez na construção das "conexões" e como isso tem afetado a sociedade moderna, cada vez mais "líquida", sem forma ou direção.


O livro me parece, ao final, deixar mais um recado do que meras inferências sobre o estado de coisas atuais, onde as relações são "de bolso" pois podem ser usadas a qualquer momento, vez que estão sempre às mãos.


Recomendo bastante a leitura de "Amor Líquido", um livro de cerca de 240 páginas e bastante fluído, com considerações apropriadas e atuais acerca das experiências observadas nas relações em tempos de internet e de redes sociais. Mais do que isso, uma obra que nos deixa apreensivos sobre o futuro de nossa sociedade face à fragilidade dos encontros e à indiferença dos desencontros que marcam nossos tempos e nossa existência.


"Quando se esquia sobre gelo fino, a salvação está na velocidade. Quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar a desforra na quantidade".

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