O transtorno de personalidade Borderline costuma ser um dos mais mal diagnosticados. Assim como os outros transtornos de personalidade, impende muito cuidado e algum tempo para ser avaliado. Esse texto não suprime de forma alguma tal avaliação, mas poder servir como uma base para quem lê se situar e conhecer tal transtorno.
Em primeiro lugar é preciso sempre se focar nos “comportamentos” e jamais no que é dito pela border. Cumpre ressaltar também que, em pese que a maioria dos casos pertinentes (e retratados comumente) serem em mulheres, homens também dividem as estatísticas. Sendo assim, usarei o feminino preponderantemente ao longo do texto por mero apego à tradição no que se refere a esse determinado transtorno.
A borderline idealizará o parceiro (pode ser também um amigo, um parente ou até mesmo o terapeuta). Ela o admirará, o apreciará e o colocará em um pedestal. Haverá uma extrema sensação de intimidade e conexão. Algo que o parceiro jamais sentiu antes. Ela iluminará mentalmente e emocionalmente o outro, o fazendo se sentir absolutamente especial. Ela o entenderá totalmente e dirá coisas doces, íntimas e profundas.
Ela adotará os mesmos objetivos, gostará das mesmas coisas, dividirá os valores e visões de sua “pessoa favorita”. A borderline parecerá, desde o início, a pessoa que faltava na vida do objeto de seu desejo. Mas a realidade é que ela não sabe quem é. Seu senso de si mesmo é nublado e por isso ela “se mistura” com o parceiro ou tenta se tornar a figura ideal para ele. É como se ela não existisse antes de encontrar aquela pessoa a quem idealizou. E de certa maneira, ela realmente não existia. Há uma sensação de vazio dentro dela.
Assim como um espelho, ela refletirá o que há de melhor no parceiro o emprestando uma sensação de valor e satisfação. Não raro a pessoa que se relaciona com uma border, logo nos primeiros dias, planejará um futuro ideal com ela. A relação caminhará de forma vertiginosa e a pessoa preferida não pensa em diminuir a velocidade, tal a maneira como é levada a se sentir.
“Sex bombing”. Será experimentada uma frequência e intensidade sexual jamais vista. Falam muito de narcisistas nessa questão, mas ao contrário do sexo transacional e robótico do narcisista, haverá real intimidade e entrega no sexo com o border. Você experimentará um sexo que jamais teve em sua vida. As relações ocorrerão muitas vezes ao longo do dia, afinal, você será o “ideal” e ela não pode resistir.
Mas assim como relatado frequentemente com narcisistas, você sentirá que há algo estranho. Algo que não está no lugar. Algo que parece ser bom demais para ser verdade. A border desejará saber tudo sobre o parceiro e perguntará o improvável de forma estranha e obsessiva. Questões sobre o passado, especialmente sobre relações anteriores. Inicialmente as perguntas serão feitas com alguma naturalidade e frieza, mas ao longo do tempo a border apresentará pequenas mudanças em suas expressões e reações emocionais ao ouvir as respostas. É como se tivesse havido uma troca de marcha. Ao contrário dos narcisistas, a border não conseguirá manter a máscara por muito tempo ao ouvir algo que não deseja. Ela será muito mais impulsiva e emocionalmente desregulada.
Em pouco tempo haverá ciúme intenso das antigas relações do parceiro e a border sentirá necessidade de ser validada e ter garantido que ela é melhor do que elas. Qualquer tipo de referência positiva a uma ex-namorada trará drama e talvez agressividade à conversa.
Logo nas primeiras semanas da relação a border contará ao parceiro os enormes traumas e problemas vindouros de relações anteriores e se tornará muito vulnerável, se colocando nas mãos da “pessoa favorita”. Se ela tiver consciência de que possui TPB, é nesse momento que provavelmente o dirá, ao contrário do narcisista que sempre vai preferir esconder suas fraquezas. Essa honestidade ativa o desejo de proteção no parceiro o tornando emocionalmente mais entregue e investido.
A border se colocará em um papel submisso, inferior, frágil, legando ao outro a responsabilidade por lidar com fraquezas e desregulações emocionais que ela possui. É improvável que a border faça tais coisas com intenção. A manipulação não é intencional. Ela realmente acredita que o parceiro pode salvá-la de si mesma e se entrega. A pessoa favorita é realmente especial, única e muito importante para a border. Ela é empática (alguns contestam veementemente esse entendimento) e quente, ao contrário do narcisista e do psicopata, que não possuem empatia e são frios. Por serem tão empáticas, as borders costumam ser extremamente intuitivas.
Quando há um mínimo afastamento do parceiro, mesmo que justo, por coisas da vida, afazeres domésticos, trabalho ou obrigações cotidianas, e a border demora a receber respostas, seja por mensagens de texto ou por ligações constantes, ela imediatamente se afastará. Emocionalmente e sexualmente. Haverá sempre uma relação de aproximação e afastamento, de atração e repulsa. De amor e antecipação de abandono.
A troca de mensagens de texto será característica, singular: necessidade imediata de resposta e sequência quase infindável de mensagens, gerando e demonstrando enorme ansiedade, raiva e sofrimento. A border apresenta uma necessidade absolutamente infantil de atenção seguida por uma enorme sensação de rejeição e abandono caso sinta a mínima alteração na energia do parceiro. Isso é típico no TPB.
Mesmo que o parceiro haja com absoluta confiança em relação ao que sente e comunique tal sentimento perfeitamente, a border literalmente poderá duvidar e transicionar para um estado infantil. Agindo como uma criança e por vezes falando como uma criança. A comunicação se tornará praticamente impossível quando isso ocorrer. Essa é uma gigantesca bandeira vermelha. Mesmo que a border não engate nessa regressão, ainda assim o parceiro perceberá uma enorme mudança repentina emocional e se perguntará…”o que aconteceu?!”. Uma palavra mal compreendida ou negativa já será capaz de fazer a border mudar e se desregular completamente.
Nesses casos a border poderá apresentar agressividade, deflecção, irracionalidade, projeção, gaslighting e comunicação emocional destrutiva. Mesmo que o parceiro permaneça frio como um pepino, de nada adiantará quando houver tal crise. As coisas continuarão a escalar mesmo que a pessoa favorita não tenha dito ou feito absolutamente nada. E de nada adiantará dizer que nada ocorreu que justificasse tais reações, pois há um condão psicótico que afeta a border em tais situações. Ela realmente acredita que o parceiro fez algo errado, algo que a fez sentir rejeitada de alguma forma.
BORDERS PRECISAM QUE O PARCEIRO AS REGULEM EMOCIONALMENTE, pois não conseguem fazer isso sozinhas.
Em algumas ocasiões esse comportamento pode gerar enorme ansiedade e sentimento de vergonha que pode levar a border a se autoferir. Pode haver uma “dissociação” e uma disrupção temporária da imagem que ela possui de si mesma e da realidade. A border possui problemas com a própria imagem, o que traz desconforto e ansiedade, pois se vê de uma forma como não é realmente.
Após tais crises a border pode apresentar dificuldade em se desculpar, mas se vierem, tais desculpas serão dramáticas, sinceras e profundas, cobertas de vergonha. Mais um ponto onde há uma enorme diferença para o narcisista, que só se desculpará se for para ganhar algo com aquilo. A border parecerá dizer o quão mal se sente pelo que fez, mas na realidade estará se desculpando pelo que “é”. Por quão pouco sente que “vale”. É o lado da baixa autoestima se apresentando. Isso é sinônimo de “vergonha”, um sentimento direcionado a si mesma.
Caso não se desculpe, ela se lembrará dos traumas passados e então culpará o parceiro pelos gatilhos que gerou em relação às suas inseguranças. Imediatamente se tornará sensível à qualquer crítica, e tentará inverter a discussão a direcionando ao parceiro. Além disso afirmará que o que fez não foi tão ruim assim, que tal comportamento não foi abusivo, o que deixará o outro andando sobre “cascas de ovos” em uma tentativa infrutífera de evitar novos gatilhos, inseguranças ou ciúmes na border.
Quando tratamos de BPD, independente de quem leva a “culpa” após as crises, quase sempre haverá reparo e um período de cuidado e apaziguação onde a a border retornará ao período onde foi uma pessoa maravilhosa e nutritiva na relação. E isso pode durar por algum tempo, o que por vezes leva o parceiro a acreditar que as coisas podem realmente mudar para melhor. Mas os ciclos de raiva seguidos por intensa afetividade se perpetuarão caso não ocorra o devido tratamento. E, ao contrário dos casos de narcisismo patológico, o TPB possui tratamento efetivo.
Alguns borders (nem todos) podem apresentar ideação suicida e se autolesionarem. Entre 65% a 80% dos casos isso ocorre em pessoas com TPB. Também se registram muitos casos de denúncias falsas por parte de borders, bem como ocorre com frequência a violação de celulares e computadores de seus parceiros, o que constitui crime em ambos os casos, provavelmente cometidos nesses momentos onde a border está completamente tomada por imensas emoções e descontrole.
Outra característica comum em TPB é a criação de vínculos emocionais e de lealdade com a família e amigos de seus parceiros. Mas quando há alguma rusga, se não houver a escolha incondicional para o lado da border, o parceiro será visto como fraco e desleal, como alguém que não sabe cuidar da própria mulher. O parceiro então se sentirá isolado e dividido entre a família e a border.
Mais uma red flag é que o próprio parceiro sentirá que está perdido em uma relação tóxica, mas ficará em dúvida se pode “salvar” a border, acreditando que as coisas podem ficar melhor. Ele se sentirá emocionalmente sugado e exausto face à motanha russa de emoções causadas pela ela, se tornando ansioso e depressivo.
A última red flag que citarei é bem clara. A border jamais se sentirá satisfeita com o que o parceiro faz. Ela sempre precisará mais de você e mais da vida. Haverá uma infelicidade latente e perene. Mas o ponto positivo é que há tratamento. É preciso que a border aceite sua condição e invista em terapia. Com o avanço da idade e com o tratamento correto, seja com a psicanálise ou com a DBT, os sintomas podem desaparecer por completo, portanto há esperança. Muita, aliás.
Se você você se relaciona e ama alguém com TPB e deseja investir nessa relação, é preciso que saiba exatamente no que está se envolvendo e que trabalhem juntos a fim de minorar os efeitos de tal transtorno. É preciso sempre haver o real desejo. De ambas as partes.
PS.: “pessoa favorita” é a alcunha tradicionalmente dada àquela pessoa com quem a border estabelece a conexão citada ao longo do texto.
PS2.: Existe uma variação de borderline chamada Bordeline Maligno onde há traços de transtorno Antissocial (psicopatia) associado ao transtorno Borderline, há a presença de dois transtornos simultaneamente.
PS3.: Borderlines podem sim causar severo abuso e possuir fortes traços de narcisismo. Em muitos casos, dependendo do estresse e condições envolvidas, tais transtornos podem congruir. Um borderline não tratado, não diagnosticado e que não sabe que possui o transtorno pode ser tão destrutivo quanto um narcisista. Tal entendimento parece se difundir rapidamente no estudo atual dos transtornos de personalidade.
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