Nunca me deparei com nenhum caso envolvendo narcisistas patológicos onde a vítima mostrasse arrependimento por ter, a muito custo, rompido o ciclo. Onde houvesse qualquer lamentação por ter deixado aquela relação que, em determinado momento, pareceu mágica ou até mesmo “perfeita”. O que sempre ouço é: “como me deixei enganar por tanto tempo?”
Vejam, a permanência em uma relação com alguém com psicopatia ou narcisismo patológico nada tem a ver com falta de inteligência ou perspicácia, mas sim com desconhecimento ou dependência. A vítima não possui as “ferramentas” necessárias para entender e lidar com o problema. Basicamente ela não imagina que existem criaturas com tais transtornos.
Ela releva bandeiras vermelhas porque não as percebe ou porque não são suficientes em suas faltas, para que se tornem impeditivas. Uma vez na teia de manipulações e sexo promovida pelo narcisista, tudo fica muito mais difícil. O narcisista te “mapeia”, te “scanneia” com sua empatia cognitiva, e te espelha. Então te oferece exatamente aquilo que você deseja ou acredita que precisa. É claro, é apenas um truque. Um truque tão real que até mesmo o narcisista acredita. Sim, é isso mesmo.
Na idealização, quando o narcisista diz que te ama em poucos dias, que quer se mudar para a sua casa, casar com você, ter 3 filhos, tudo isso em apenas um mês, NAQUELE MOMENTO, ele está sendo sincero (ao contrário do psicopata). O problema é que essa fantasia só existe na mente do narcisista. Aliás, tudo só existe na mente do narcisista. E lá é como se o casal se conhecesse faz anos, tudo é tão perfeito, tão íntimo…
Porém, como mágica não existe e o narcisista e a vítima não se conhecem realmente, ao primeiro revés as coisas começam a mudar. Os planos, que em boa parte das vezes se concretizaram em tempo recorde, começam a se esfacelar. De repente o namoro, o casamento, os filhos, o sexo, tudo perde o brilho. Mas será que um dia houve? Ou foi tudo uma ilusão?
Basicamente o que o narcisista te oferece é que você divida uma fantasia com ele. Que viva em uma quimera onde tudo é maravilhoso até que de repente deixe de ser. A vítima então acredita que seus sonhos se realizaram, pois o narcisista será tudo o que ela desejou em um momento inicial. Como resistir?
No entanto, em algum momento as coisas mudarão e ela perceberá gradativamente que há algo de errado com aquela pessoa. O calor se tornará frieza. O sexo se tornará estranho, fisiológico e transacional. A suposta empatia e interesse pelo parceiro desaparecerá. E então a vítima fará de tudo para que aquilo que sentiu no início, quando tudo era lindo, volte a existir. Isso jamais ocorrerá.
Ela se sentirá culpada, acreditará que fez algo de errado, que não é suficiente. Ela de fato não entende o que ocorreu. Porque houve tamanha mudança. Mal sabe que nada tem a ver com ela. Não é pessoal, por mais que pareça. O narcisista a escolheu por um motivo apenas: SUPRIMENTO. E mais nada.
O que torna tão difícil e complexa a recuperação da vítima de abuso narcisista é porque, por sua natureza, tal abuso promove o sequestro de parte da identidade da pessoa. Quando ela deixa a relação, mal sabe quem é. Literalmente.
Quem está de fora, quem desconhece o transtorno, simplesmente não entende, e a vítima sofre um novo “abandono” quando não é levada a sério. É como se quem não a validasse repetisse o mesmo comportamento do abusador.
Existe toda uma dinâmica terapêutica apropriada para lidar com o abuso narcisista, e é por isso que muitas vezes a terapia não funciona. Nesse caso apenas um profissional afeto ao assunto seria indicado. E por incrível que pareça, não existem tantos.
Em síntese apertada a grande dificuldade em superar o abuso narcisista ocorre porque o narcisista literalmente coopta seu seu superego e “danifica” seu ego. Ele sincroniza suas “vozes internas”, sua consciência e você passa a obedecer ao narcisista introjetado em sua mente. Assim, se essas “vozes” não forem caladas, o narcisista tomará conta da terapia, pois o profissional estará lidando com ele, de certa forma, e não com o paciente. Eis aí o porque vítimas frequentemente se encontram ainda presas ao narcisista mesmo após a sua morte. Porque ele ainda vive e reside na mente da vítima.
Não há soluções rápidas. Não há mágica. Há saída. E ela se encontra na terapia feita apropriadamente. E o terapeuta precisará, sobretudo, da ajuda do paciente.