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Foto do escritorHP Charles

Compromisso afetivo em tempos de aplicativos de encontros.

Dizem que nunca é "muito tempo". Que jamais devemos dizer jamais. Mas arrisco afirmar que sob nenhuma hipótese entraria em algum aplicativo de encontros e namoros. E o motivo é simples: a grande inovação de tais aplicativos, a grande "oferta" por trás da proposta primária, que é a de encontrar um par romântico, é a de que você não precisa experimentar o luto de um coração partido. O que é verdadeiramente vendido é justamente o pulo sobre essa etapa. "Engate um relacionamento no outro, substitua imediatamente um ser humano por outro, não sinta dor". Essa é a verdadeira proposta do Tinder e tantos outros apps semelhantes. E convenhamos, é uma puta proposta. Só tem um probleminha.


Antes, quando você saia de uma relação um pouco machucado e tendo que lidar com a perda e a frustração de um término amoroso, havia a natural tentativa de se melhorar onde houve erros e compreender seus motivos, por sabermos que a nossa saúde mental precisa disso. Havia tempo e reconhecimento da necessidade de se lidar com o que ocorreu, de dar espaço à nossa psiquê para se recobrar. Os aplicativos de encontro simplesmente destruíram tal fase, pois são capazes, pelo que tenho fartamente lido, de "distrair" as pessoas as fazendo saltar direto de um trauma...para outro, evidentemente. Que surpresa, não?


Desta forma, a ausência do tempo e da digestão necessária a fim de acomodarmos as bagagens trazidas de outra relação, efetiva projeções de antigos problemas em novos laços. Aquele hiato que ocorre normalmente foi suprimido pelos aplicativos de encontros e isso gera um enorme problema.


Cumpre fazer aqui uma breve observação sobre o dependente emocional, que é uma figura que difere um pouco dos casos abordados nesse texto. O dependente emocional normalmente engata uma relação com a outra, e faz isso deixando sempre alguém em stand by para o caso de sua relação realmente fracassar. Geralmente esse modus operandi é um padrão. A patologia está relacionada a baixa autoestima, medo da solidão e dificuldade em lidar consigo mesmo. O dependente emocional sempre tapa o buraco com outra pessoa a fim de minimizar o dano afetivo, e mesmo antes de finalizar a relação anterior já se encontra sobre a influência do novo pretendente. É claro que, sendo assim, é uma pessoa em que não se pode jamais se confiar, vez que seus mecanismos de defesa promovem sempre a traição e a substituição. Relevante também lembrar que a deslealdade e a traição se concretizam no flerte, na disponibilidade e na omissão, e não no ato em si.


Justamente pelo período de ajustes e reflexões, de trabalho psicológico do luto e da perda ter sido retirado da equação, Tinder e afins se tornaram um perigoso combustível para o fim de namoros e casamentos. Os números corroboram tal assertiva.


Se o novo mecanismo de enfrentamento do término é "como eu encontro outra pessoa" ao invés do reconhecimento de erros, do tratamento dos traumas e da melhora pessoal, então o resultado quase inevitável dessa ferramenta será um novo trauma que substituirá outro, vez que as experiências anteriores decerto assombrarão as novas, mesmo que inconscientemente.


Claro, a internet reflete o sinal dos tempos, e as redes sociais com suas curtidas, suas DMs' e a facilidade do flerte, quase que inevitavelmente vende a ideia de que a grama do vizinho será mais verde. Em 2023 tal premissa é difundida abertamente. A ilusão de que a próxima relação será melhor, mais completa, mais arrebatadora, interessa ao "mercado da carne", tão próspero nas redes sociais.


O problema é que o Tinder não está resolvendo, pelo contrário. Ele se tornou o palco de narcisistas e psicopatas, ávidos por mais uma transa, por mais um ghosting, por mais uma alma. E isso tem trazido muita infelicidade. Os relatos são sempre os mesmos. Pessoas que instalaram e deletaram o aplicativo inúmeras vezes, se tornando dependentes de vampiros emocionais. Qual é a possibilidade de se criar uma base sólida para uma relação instantânea, criada por um algoritmo? Por um fast food do amor? Concordamos que é pequena?


"Matches" são processados velozmente, e dedos ávidos arrastam as páginas de pretendentes em um cardápio virtual tão abjeto quanto ilusório, onde a "caça" é promovida sem pudores. Um espetáculo de miragens então é glorificado resultando em relações tão genuínas quanto beijos de olhos abertos. E então o ciclo recomeça. Com mais um outro alguém, com mais uma transa insignificante, com mais um orgasmo fingido, talvez. Em tempos de internet nem o gozo precisa ser real. Basta sair bem na foto...quem manda é o Instagram, sabemos.

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