Talvez vocês estejam pensando porque na véspera de Natal eu esteja escrevendo sobre coragem e não sobre o nascimento de Cristo e o que ele representa como tradição e conforto. Mas o fato é que tal data também significa renascimento e recomeço. E muitos precisam muito mais disso do que um pedaço de panetone e alguns copos de vinho, ouvindo histórias ou fofocas de familiares.
O Natal frequentemente é a data onde famílias se encontram, mesmo se gostando ou não. Onde há amor e afeto, mas não raro há a mesma quantidade de hipocrisia, inveja e ressentimento. Se você não tem essa fração negativa no fim de ano, é uma pessoa de sorte, muitos tem. Muitos não enxergam essa época como algo positivo, e as estatísticas comprovam isso com o aumento absurdo dos casos de suicídio e de depressão. Sim, o fim de ano é aquele momento onde as pessoas olham para trás e avaliam não apenas seus sucessos mas também seus erros, suas dores, suas CULPAS. E isso não é fácil. Não há tapete suficiente onde caiba toda a sujeira da alma. A culpa jamais perdoa.
Muitos prometem mudar no ano que que se aproxima. Prometem fazer tudo diferente. Alguns mentem e não tem a menor intenção de fazer isso. Mas alguns prometem se tornar pessoas melhores, mais capazes, mais solidárias e trabalhão para isso, porque já perceberam que essa é a única real alternativa para a felicidade. Porém, para fazer isso, é preciso, acima de tudo, de CORAGEM. Nem todos a possuem.
Romper com comportamentos, relações ou processos com os quais nos comprometemos e nos acostumamos, pode ser extremamente difícil. Sair da inércia e apostar no novo e no incerto, é muito complicado. E fazer tudo isso sem ser por impulso ou "porra louquice", é ainda mais duro.
A natureza humana normalmente nos condiciona ao conforto da imobilidade, à mesmice disfarçada de uma pseudo segurança, tão atraente. Mas a vida é pródiga em nos acordar quando tudo parecia certo e agradável. E ela parece sempre fazer isso de uma forma impiedosa. Com pequenas ou grandes tragédias. Com perdas inconsoláveis. Com dores inapeláveis. E aí você precisa mudar. Precisa "renascer". Descascar as tintas com que pintou suas paredes.
Mas isso é necessariamente ruim? Não. Muitas vezes é apenas preciso. Muitas vezes você só se dará conta do que era necessário fazer, muito tempo à frente. O que hoje parece ser dor, amanhã pode ser descoberto como o parto que te transformou em uma pessoa diferente. Mais forte, mais resistente, mais alerta, mais capaz. E partos doem, não? E doem porque significam que algo novo e fresco está sendo trazido à vida. Talvez seja você mesmo, abandonando o antigo "eu" que não mais existe da forma como era. E você enfim, após todo aquele doloroso processo, se torna alguém absolutamente distinto.
É absolutamente certo que muitos estão se identificando com esse texto. Muitos deram passos significativos no ano que passou. Muitos tiveram perdas duríssimas, outros mais vivem hoje o processo de transformação para onde a vida os catapultou. Alguns acreditam não terem força para o que é preciso para continuar a jornada. Alguns se perguntam se ela vale a pena.
A filosofia possui uma grande pergunta que se destaca entre todas, e ela é justamente essa: se a vida vale a pena ser vivida. A resposta é pessoal. Sempre. Não há como fugir disso. Mas todo o nosso ser, nossa biologia e nossas crenças, nos conduzem a acreditar que sim. Sempre tendemos a nos preservar, a nos proteger em situações de perigo, em dores existenciais, gerando...traumas. Nosso físico e nosso emocional sempre entra em estado do autopreservação em momentos cruciais onde nossa vida ou saúde está em jogo.
Nesse Natal e virada de ano, como sempre ocorre, muitos insistirão em pedir coisas materiais ou ligadas ao mundo material. Uma nova casa. Um novo carro. Uma nova namorada. Um novo casamento. Uma viagem, talvez. Tudo isso é ótimo. Mas está longe de ser fundamental. O fundamental é CORAGEM para seguir a vida. É PACIÊNCIA para atravessar os dias mais difíceis. É PAZ para repousar a cabeça no travesseiro e dormir. É AFETO para que o mundo se torne menos solitário. É enfim, FORÇA para se transformar no que é preciso. O material costuma vir se você acertar seu passo. A ironia é que muitas vezes quando você obtém o que julgava "precisar", descobre que era apenas "desejo", e que aquilo jamais te satisfará.
Normalmente desejamos coisas para nós mesmos, ainda mais em tempos de glorificação do individualismo, do ter, do egoísmo, da crença estúpida e narcisística do "automerecimento". Mas você já pensou em pedir algo para o mundo? Já cogitou desejar fortemente se tornar alguém capaz de ajudar os outros? Já imaginou querer muito ser alguém mais ético, mais afetuoso, mais JUSTO? Já olhou para dentro de si e pediu genuinamente para ser um agente de coisas boas para quem se aproxima de você? Já quis verdadeiramente que nenhuma ação que você possa produzir traga infelicidade ou sofrimento para alguém? Eu te garanto que se no ano que entra você conseguir isso, o que sentirá será muito melhor do que comprar aquela bolsa que você sempre quis e jamais precisou. Eu garanto que a recompensa emocional será infinitamente maior do que qualquer fruto do materialismo cru e asinino.
Acredito fidedignamente que tudo o que a vida quer de nós é coragem. Coragem para sermos melhores do que somos. Coragem para dividir. Para dar a mão. Para amarmos de verdade, sem esperar NADA em troca. Para melhorar essa sociedade egoísta de merda em que vivemos.
Daqui nada levamos. Nosso tempo é contado, finito, incerto. Não controlamos absolutamente nada a não ser nossas reações ao que acontece. Mas podemos agir em direção à honestidade, ao bom caratismo, AO BEM.
Então, quando nos sentarmos para as ceias pantagruélicas de fim de ano, vamos tirar alguns minutos para pensar em como podemos nos tornar agentes de mudanças poitivas nas nossas vidas e do próximo. Ao fazer isso, se você é cristão e acredita que foi salvo um dia através do milagre da cruz, entenda que também assumiu um dever em fazer o mesmo em sua vida, resgatando pessoas, acreditando que apenas isso e mais nada te salvará, não do inferno, mas de si mesmo.
Se você não acredita em nada disso, e não precisa, entenda que o mundo em que vive é dividido com todos, e que "suas ações podem ecoar na eternidade". Sim, seus filhos e amigos, pessoas a quem você ama, carecem, acima de tudo, de exemplo, de referência. Seja essa pessoa.
Nesse Natal, tenha coragem. Enfrente seus erros, repare injustiças, divida, some, cresça, e por fim...ame. Nada mais te fará feliz no final das contas. Nada.
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