C.S. Lewis em seu livro "Quatro Amores" discorria sobre as quatro palavras gregas para o amor. Storge, philia, eros e ágape.
O Amor incondicional, ágape, seria o amor de Deus e como ateu esse tipo de amor é algo meio que se torna incabível em meu conjunto de crenças. Acredito ser fundamental para alguns e isso precisa ser respeitado e compreendido.
Temos storge, o amor fraternal, oriundo dos laços familiares e provavelmente o mais comum e natural. Porém não é "obrigatório", como temos visto cada vez mais. As relações familiares tem se transformado rapidamente e parece que esses vínculos e amores estão sendo cada vez mais discutidos, mas isso deve impender um texto próprio face a complexidade do assunto.
Eros, o amor romântico. É o amor sexual, ligado aos prazeres, e para Lewis, também ao pecado, por via vicinal. Para o autor ele é o amor "indiferente" vez que pode ser bom em decorrência da admiração do "amado" mas pode ser mau porque é a raiz de muitas tragédias e seria a idolatria do amor, com sua equiparação a um Deus. Nele se estabeleceria a possibilidade de sentimentos como crueldade e inebriação.
Por fim chegamos ao Philia, que seria a amizade. Pessoas que "compartilham interesses ou vida comum". Para Lewis seria o menos "natural" dos amores vez que não reúne nenhuma das premissas dos outros três tipos de amor.
Quando fiz 40 anos já tinha experimentado várias vezes o eros. Entendi, como acredito até hoje, que é uma espécie de conexão atraente e viciante, mas absolutamente finita e desgastante. Desde então procurei colocar o amor que chamamos de philia como preponderante e não acredito que nele não caiba o sexo ou grandes intimidades. Passei a optar pela ligação mais intelectual do que a física ao menos de minha parte. Até hoje acredito nisso pois entendi que o sentimento de intensidade pode, eventualmente, se transformar em coisas que considero absolutamente negativas, como ciúme e possessividade. A escolha por philia não impende frieza ou indiferença, pelo contrário.
Quando você já passou por relações assim, muito comuns na juventude, acaba por desprezar ou até a temer ligações que sejam permeadas por esses sentimentos. Me parece, hoje, que a maturidade afetiva está em conexões baseadas em amizade e respeito e é nisso que genuinamente acredito e procuro.
Algumas pessoas se afastam do eros por traumas e bagagem, mas esse não deve ser o motivo para se adotar esse caminho. Decepções e desconfianças devem ser vencidas. É preciso que seja uma opção, uma filosofia de vida. É um posicionamento que requer maturidade e que valoriza a paz e a individualidade sem se relevar o afeto e a empatia.
Claro que para alguns isso seria impensável, mas de certa forma me parece que é quase inevitável com o pesar do tempo em nossas vidas e desejos. Alguns dirão que amor não se escolhe ou que o feitiço químico sexual lhes é impreterível, e eu digo que cada um sabe de si e é livre para escolher como se relacionar em suas vidas. O amor costuma se transformar ao longo dos anos assim como o desejo sexual, e de fato é absolutamente normal e esperado que isso aconteça. Não há fórmulas é preciso entender isso.
Faz mais de dez anos que opto por conexões que privilegiem o intelectual ao físico e continuo acreditando nisso como direção de vida. Não é preciso excluir o sexo ou ou desejo, apenas há limitações filosóficas intrínsecas a relação em seu início e que só aparecem no final. Complicado? Juro que não.
Vejam, essa "negociação" de vida não impende perda alguma, é apenas diferente face ao que se busca como meta e que é vendido e glorificado na tv e nos romances comezinhos. Cabe tudo dentro da amizade justamente por ser tão generosa e ampla. Acredito que toda a hipocrisia presente nos outros tipos de amor encontra menos espaço para existir, vez que os laços são mais amenos e o afeto não precisa ser cobrado ou imposto.
Atualmente me ressinto enormemente de ter sido tão desleixado com amigos e amigas que me foram tão importantes. A depressão seguida de uma internação me fez acordar para isso e rever o porque, em determinado momento da vida, escolhi mudar o tipo de companhia afetiva com esmero muito maior em ligações intelectuais do que físicas (pelo menos do meu lado, claro).
Finalmente me reencontro novamente com minhas premissas de vida e com prazeres que abandonei por minha própria desídia, como o jiu-jitsu e como a literatura, por exemplo. A amizade com minha irmã (olha o storge aí) também vai sendo resgatada, pois desde a infância havia sido negligenciada.
É preciso sempre cuidar para não nos fecharmos em relações simbióticas que nos consumam totalmente, mesmo que baseadas na amizade e nos interesses em comum. Fiquei alguns anos sem escrever por contingências da vida e isso está sendo remediado, como podem perceber. Isso é sinal claro de retomada.
As amizades, quando francas e genuínas, e suas consequências, são verdadeiras forças da natureza, e são insubistituíveis. Acredite, dá para condensar quase tudo dentro delas agregando enorme prazer, com absurda recompensa emocional. E prometo, minhas amizades terão mais uma vez minha dedicação absoluta. 😉
Maravilha, HP! Eu sempre recomendo esse livro do Lewis para os meus amigos. Um prato cheio, não? E o melhor é que você, mesmo sendo ateu, reconhece a importância do Ágape na vida das pessoas. Também gosto de como o autor escreve sobre os perigos do Eros.
Mais um texto irretocável 👏🏾