Em uma sociedade que experimenta uma explosão de narcisismo em seu núcleo, muita confusão se faz a respeito da distinção entre narcisistas, psicopatas e narcisistas malignos. Mesmo pessoas afetas à area de saúde mental costumam ter dificuldade em diferenciar essas 3 personalidades malignas que pertecem ao espectro Cluster B. Vamos esclarecer isso, então.
O NARCISISTA - Ao contrário do que muitos pensam, narcisismo não tem a ver com egotismo, com ser egoísta. Narcisismo possui relação com uma desesperada necessidade de atenção. Atenção positiva ou negativa (sadistica) a fim de regular sua estrutura interna. O narcisista precisa terrivelmente que prestem atenção nele. Ele precisa ser visto para se estabilizar, para controlar sua autoestima, seu senso de “autovalor”. Narcisistas também possuem baixa tolerância a críticas, o que eventualmente gera reações desproporcionais e agressivas.
Uma segunda importante característica é que o narcisista se interessa, de forma totalmente desproporcional, mais por ele mesmo do que por outras pessoas. Ele tem uma enorme dificuldade em “ouvir” os outros. A conversa com um narcisista será quase que inevitavelmente interrompida e conduzida a ele próprio, mesmo que não tenha assim se iniciado.
Outro sinal relevante é a falta de empatia. Ele não se interessará ou demonstrará qualquer emotividade quando deveria fazê-lo (reduced effect display). Ao ouvir uma história triste ou se o outro estiver em uma situação difícil, por exemplo, ele não terá uma reação emocional aos relatos. Se você adoecer, provavelmente será descartado abrupta e friamente, pois isso o incomodará ao invés de torná-lo mais empático e afetuoso. Claro, o narcisista é capaz de simular empatia, assim como o psicopata. Chamamos a isso de “empatia cognitiva”.
Outro ponto. O narcisista tentará te usar. Tentará te explorar de alguma forma. A relação com ele será sempre transacional. Até mesmo o sexo. Se o narcisista chegar à conclusão de que você não pode oferecer mais nada a ele, ou então encontrar uma fonte de suprimento que pareça ser mais efetiva, mais abundante, ele abandonará a relação em um piscar de olhos, muitas vezes inadivertidamente e cruelmente, sem que algo específico, sem que uma altercação ou motivo suficiente e relevante tenha ocorrido. E sim, normalmente ele possuirá vítimas secundárias em uma prateleira a fim de usá-las caso o suprimento principal esteja comprometido. Quando o narcisista deixa a sua relação, seu namoro ou casamento, via de regra já existe alguém para assumir o lugar deixado.
Narcisistas, ao contrário dos psicopatas, almejam APENAS uma coisa. Suprimento narcísico. E ele consiste em: validação (atenção, adoração, entronamento), sexo, serviços (ele deseja que você seja uma espécie de serviçal ou resolva coisas para ele de alguma forma) e segurança (ele precisa que você “cuide” de suas necessidades físicas, financeiras e emocionais).
O narcisista é um ser humano incompleto. Ele instrumentaliza as pessoas, as objetifica e as transforma em “avatares” que usa quando precisa ou deseja, como extensões de si mesmo. Ele vive em um mundo de fantasia para onde levará suas vítimas a fim de dividir um mundo que existe apenas dentro de sua mente perturbada.
Uma importante questão precisa ser esclarecida face à enorme banalização do termo “narcisista”. Existem pessoas que possuem traços de grandiosidade, que adoram atenção, mas não roubam, não furtam, não se apropriam indevidamente, são leais a seus amigos e amam seus filhos. Essas pessoas NÃO SÃO NARCISISTAS. Elas apenas possuem traços narcisistas ou alguns comportamentos narcisistas, um “estilo narcisista”, mas sem o transtorno. Alguns diriam que eles são apenas “babacas”. O diagnóstico de TPN requer uma série de testes e é algo difícil de se confirmar sem maiores aprofundamentos, podendo levar dias até ser obtida alguma segurança clínica nessa direção.
O PSICOPATA - o psicopata não se importa com outras pessoas e não precisa delas para regular sua autoimagem ou autopercepção. Ele é “antissocial” ao contrário do narcisista, que precisa de um “input” de outros para regular sua grandiosidade.
O psicopata possui sempre um OBJETIVO. Ele deseja poder, contatos, sexo, conexões com pessoas importantes. Otto Kernberg afirma com a tradicional pertinência que o psicopata é “uma caricatura de um humano normal, enquanto o narcisista é um vazio, uma ausência”.
O psicopata tem uma grande propensão à vingança e ao sadismo, ou seja, ele tem prazer com o sofrimento alheio. São agressivos, dissimulados, possuem profundo desprezo por leis e pelo direito alheio. Têm propensão a praticar atividades perigosas, bem como a dirigir imprudentemente. O psicopata também é “grandioso” e acredita, em sua mente maligna, que se ele te prejudicou é porque “você mereceu”. O psicopata não possui qualquer empatia ou preocupação com o bem estar alheio.
Aqui duas outras imagens erradas e normalmente propagadas cumprem serem esclarecidas. A primeira é a de que narcisistas são extremamente charmosos e sedutores. Se a criatura em questão possui tais características, é provável que estejamos lidando com um psicopata e não com um narcisista.
O psicopata é ostensivamente charmoso porque ele é “goal oriented”. Ele quer algo de você e possui uma meta definida. Já o narcisista se parece muito mais com uma pessoa portadora de autismo. Ele vive uma existência tão enterrada em sua mente que costuma confundir a realidade externa com a interna, por vezes parece ser uma pessoa “desorientada”, “sem noção”, sem direção. Ele é coercitivo e de repente se torna maleável. Alterna entre comportamentos socialmente aceitáveis e comportamentos reprováveis socialmente.
A segunda ideia difundida equivocadamente (por filmes, principalmente) é a de que psicopatas são muito inteligentes. No entanto, em testes realizados com psicopatas, eles se mostraram com baixo Q.I. e não raro com dificuldade de leitura e interpretação. Como se vê, nem sempre a vida imita a arte…ou o cinema.
O NARCISISTA MALIGNO - As pessoas tendem a confundir narcisistas e psicopatas, mas isso ocorre porque existe um subgrupo, um subtipo de narcisismo chamado de “narcisismo psicopático”, ou “narcisismo maligno”. Esses são os narcisistas que saem nos jornais. Os que causam mais dano, os que são mais notados na mídia, “a ponta do iceberg”.
Como são narcisistas “E” psicopatas, é comum chamar tal particularidade de “comorbidade”, vez que dois transtornos existem na mesma pessoa. Pessoas costumam confundir os dois transtornos porque levam em consideração o meio onde normalmente vivem as pessoas exemplos de tais desordens, o que acaba por relacionar certas celebridades a narcisismo, propriamente.
Narcisistas são como viciados. Vivem em função da próxima dose de validação. E farão tudo por ela. Assim como borderlines, é comum que se adaptem a fim de conquistar a vítima e obter melhor suprimento. Mudarão o cabelo, gostos, crenças, posição política, roupas, tudo para garantir o suprimento necessário. É comum que após a vítima, ao conviver com o narcisista por algum tempo, também faça o mesmo, alterando sua realidade e se transformando no que o narcisista deseja, vez que tem seu ego instrumentalizado e seu superego sequestrado, pelo narcisista.
Narcisistas não têm tempo para serem charmosos, e frequentemente são desagradáveis ou entediantes. Não possuem interesse em desempenharem papéis de marido, de esposa, de serem amantes ou pais, a menos que isso lhes traga suprimento. O charme pode estar presente se for útil em alguma ocasião, mas ele não é necessário para o narcisista. Portanto, se você encontrou essa pessoa extremamente sedutora e com um excessivo charme (superficial), dedicada sexualmente, provavelmente encontrou um psicopata.
Os narcisistas que infernizam os outros no trabalho, os eivados de ambição, os narcisistas serial killers, são psicopatas narcisistas. Ao contrário do narcisista comum, eles não têm a tendência em viverem em um mundo de fantasia, em um mundo delusional.
Espero que o texto tenha ajudado a discernir as diferenças de personalidade, algo que parece tão difícil atualmente em que pese a relevância que o assunto narcisismo tomou nos dias de hoje face ao estímulo narcísico promovido pelas redes sociais.
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