Muitas vezes, quando começamos uma nova relação ou nos sentimos disponíveis para ela, fazemos projeções, a maioria delas relativas ao outro. Estabelecemos características, desejos, limites, muitos deles injustos ou irreais. É a nossa mente trabalhando por conta própria. No entanto, a principal pegunta que devemos fazer a nós mesmos quando pensamos em estabelecer uma nova empreitada amorosa é: "como é que as minhas inseguranças pessoais irão arruinar essa relação?"
Sim, é exatamente isso. Essa é a crase sanguínea da questão. E passo a deslindar o motivo.
Normalmente quando entramos em novas relações, acreditamos nos tornar cegos às nossas feridas e elas invariavelmente ressurgem nesse novo laço. O que fazemos, mesmo que inconscientemente, é então culpar o que estamos vivendo por não oferecer o remédio para o que ocorreu no passado. As feridas antigas então passam a interferir e se tornar fardo para pessoas que sequer conhecíamos.
E é por isso que o luto é tão importante. Porque é adulto e saudável a sua maneira, por mais doloroso que seja. O salto de uma relação para a outra demonstra apenas uma coisa: dependência emocional. A incapacidade de viver bem apenas consigo mesmo. E isso é claramente uma patologia.
A transferência das expectativas afetivas e amorosas de uma pessoa para a outra, não trata a questão, pois é preciso compreender e digerir tudo o que ocorreu a fim de "realmente" estar disponível emocionalmente, sob pena dos fantasmas compartibilizados um dia surgirem ainda mais fortes e imprevisivelmente. E acredite...isso irá ocorrer em algum momento.
Ao longo da vida vamos acumulando bagagens emocionais que nem sempre ficam na superfície. Toda a visão propalada pela propaganda e pelas redes sociais atualmente é a de que as relações podem ser criadas e desfeitas rapidamente sem a menor consequência. Aplicativos de encontros, DMs silenciosas, curtidas aos milhares, o fomento à necessidade doentia de atenção. Isso evidentemente promove o narcisismo e a imprevidência, na medida em que se glorifica que apenas o "eu" deve ser atendido e que a responsabilidade por qualquer fracasso emocional é do outro.
Para encerrar um livro, precisamos virar suas páginas, mas fechá-lo sem o compreender totalmente irá impender uma nova leitura. E uma nova leitura, e uma nova leitura. E é por isso que muitas pessoas repetem na relação seguinte exatamente o mesmo comportamento que deixaram para trás. Por vezes escolhem até pessoas com aparência física e mentalidade similar. Não é raro escutarmos de mulheres que preferem os "bad boys", e de homens que se sentem atraídos por mulheres com comportamento "vulgar". Depois, quando não funciona, adivinhem em quem será depositada a culpa?
Sim, nossas inseguranças e feridas normalmente contribuem para destruir novas relações e oportunidades (que muitos acreditam serem infinitas). Por isso muitas mulheres se tornam hipergâmicas, e veêm o parceiro como um plano de aposentadoria, e muitos homens tentam recuperar a juventude comprando carros esportes e se relacionando com meninas 20 ou 30 anos mais jovens.
É imperativo, no processo de cura e transição, entender que nossa bagagem é só nossa, que aquele divã é apenas nosso, e viver o luto das perdas e derrotas que experimentamos. Sem isso não há redenção ou recomeço. Há "continuidade", mesmo que não pareça. Ao assumirmos a responsabilidade por nossos atos e assim compreendê-los, damos o único passo possível na direção da saúde mental e de uma nova história. Não adianta colocar tudo dentro de uma caixa e empurrá-la para baixo da cama. Um dia ela se mexe...e o monstro coloca as garras para fora.
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