Poucas coisas são mais destrutivas e irreais do que as comparações nefastas que nossa voz interior insiste em fazer permeando nossa mente com pensamentos intrusivos e negativos. Tais comparações não são justas ou sequer reais no sentido em que não se pode comparar o que é diferente.
Comparar vidas, histórias, desejos e necessidades distintas, inevitavelmente nos leva à depressão. Somos tomados por expectativas externas, muitas vezes baseadas em miragens elencadas em propagandas e redes sociais. Ilusões que insistem que se precisa ser de tal maneira ou ter certas coisas porque caso contrário você seria um fracasso ou sua vida seria incompleta.
O irônico é que todas essas percepções são feitas de longe, não? O que aparece sempre é a ponta do iceberg, mas jamais a intimidade do cotidiano e que ocorre com portas fechadas. No entanto, frequentemente vemos notícias de tragédias e suicídios de famosos e ricos que aparentemente viviam a vida que você sempre desejou. E isso causa espanto e não raro até um suposto conforto em alguns, vez que parecem enfim compreender que a grama não era tão verde quanto parecia.
Quando entregamos a responsabilidade de nossa felicidade nas mãos de alguém ou a baseamos em expectativas que a “sociedade” tem de nós, a distância para a infelicidade se torna curta. E se torna curta porque deixamos de nos atender para atendermos a outros. Muitas vezes gente que nem sabe que existimos ou até pessoas de quem sequer gostamos. Mesmo assim o fazemos e o resultado não muda. Insatisfação, queda na autoestima, sensação de fracasso ou insuficiência.
Vejam, ricos infestam os consultórios “psi” de toda a sorte. Se entopem de remédios, de álcool, de paliativos, a fim de preencher um vazio infinito. Então a questão não é dinheiro em si, não é mesmo? Claro, a falta de grana está longe de ajudar, mas se fosse essa a real solução, o quadro que citei não existiria. E outra pergunta se faria necessária: o quanto é o suficiente para o abismo interior ser preenchido? Percebem?
Dinheiro sem paz, amor sem tranquilidade, não resolvem. Algumas pessoas avidamente passam a vida acumulando coisas e trocando de amores, tentando encontrar em objetos externos a solução para questões internas, e os ciclos e padrões jamais são quebrados ou interrompidos. Se perpetuam em um carrossel de desilusões e infelicidade, destruindo relações e a qualidade de vida. Todas as vezes em que comparamos nossas vidas com as dos outros, arriscamos nossa saúde mental.
Por que temos tanta dificuldade em abrirmos mão de certos desejos que acreditamos serem necessidades? Provavelmente tal confusão começou em nossa infância, e a alimentamos inconscientemente ao longo dos anos, incapazes de vislumbrar sua origem, apenas suportando as consequências. Os sortudos e os corajosos, no entanto, conseguem se redimir desses padrões de comportamentos comparativos e ilusórios, se transformando e negando o sequestro da realidade de seus valores e de sua existência. Outros viverão assim, rendidos, até o fim, o que é absolutamente lamentável.
A jornada de autoconhecimento e de mudança precisa ser iniciada em algum momento, mas crescer dói, se libertar de amarras e correntes dessa Matrix implacável que a todo segundo nos diz o que precisamos para sermos felizes, é para os fortes. Teríamos todos essa força? Queremos realmente mudar e viver uma vida mais genuína com todos seus dissabores, aceitando que a felicidade é um estado transitório e que o gozo jamais será completo, vez que é justamente nessa crença obtusa que reside a raiz de toda infelicidade e amargura? Não. Muitos preferem continuar a busca pelo cálice sagrado que nunca existiu e nunca existirá, pois a vida também é feita de perdas, derrotas, fracassos.
Então o que precisamos? A resposta é: abdicar das ilusões. Todas as vezes em que nos comparamos o fazemos baseado em ilusões, em fantasias de vidas que não existem de verdade fora de nossas projeções. Idealizamos outros a fim de nos defendermos da realidade que tanto nos assusta, deliramos criando uma realidade particular para nós mesmos onde outros são perfeitos, felizes e completos, e nós somos tudo o que nos falta. Abandonar tal ideia é o princípio para começarmos a lidar com a realidade, criando aceitação e acolhimento pessoal.
Não existe felicidade plena e eterna. Tudo é transitório, todos vivem suas inseguranças e vicissitudes indissociáveis da vida e, ao finalmente entender tal cristalino fato, as comparações perdem o sentido vez que normalmente são baseadas em paradigmas criados por terceiros.
O que você realmente deseja? Uma existência mais consciente e aprazível ou apenas viver o inferno não anunciado dos outros? Comece respondendo a essa pergunta?
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