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Foto do escritorHP Charles

Por que é tão difícil sair de um relacionamento tóxico?

Atualizado: 8 de out. de 2024

Recebi via mensagem privada a pergunta que dá título ao presente texto e passo a responder. Entendam que a resposta merece um certo cuidado e alguma profundidade, na medida em que o assunto narcisismo se popularizou e é tratado de forma, digamos, pouco acadêmica e muito rasteira, muito por conta do enorme interesse que tem despertado.


Quando você se apaixona por um(a) narcisista (50% são mulheres), você ama um personagem de ficção. Ele literalmente não existe pois seu ego não se formou. Então, tecnicamente ele não é “uma pessoa” além do sentido biológico. Toda a conexão é feita com seu “falso ego”, que basicamente corresponde a uma criança entre 2 e 9 anos. Por isso, a pessoa que sofreu o abuso mal sabe por onde começar quando há o descarte ou o rompimento. Ela não possui as “ferramentas” para compreender exatamente porque sentiu o que sentiu ou porque não conseguia se desconectar em que pesem as red flags, intuições, adoecimentos e abusos.


O desenvolvimento desse personagem se dá ao longo dos primeiros meses (normalmente varia entre 3 a 6 meses) em uma fase do ciclo de abuso conhecida como “idealização”, onde ocorre o “love bombing”. Nessa fase o abusador alterna estados de extremo afeto, sexo intenso, presentes, viagens, flores e afins, e momentos de críticas, brigas fúteis e destemperos desnecessários. Frequentemente há extremo controle de horários da vítima, pressão por respostas imediatas de mensagens de texto e uma incrível “velocidade” nas fases da relação. O objetivo é gerar condicionamento.


O abuso, ao contrário do que muitos acreditam, não se constitui em mau tratamento contínuo, mas sim em dias de agrados e dias de abusos.

Ora, se o narcisista só trouxesse infelicidade, a vítima iria embora antes de ser condicionada. O que ocorre é que a alternância do “quente e do frio”, cria um desequilíbrio hormonal que é facilmente comprovado pela ciência. Afeto e sexo intenso (sempre transacional, jamais íntimo) liberação de ocitocina, serotonina e dopamina. Estresse e ansiedade intensa, liberação de cortisol. A variação constante gera VÍCIO, pois a vítima sempre anseia por uma nova “dose” dos hormônios de prazer liberados nos momentos bons da relação.


Quando a fase do ciclo muda para a desvalorização, onde os abusos se tornam cada vez maiores e mais frequentes (nem sempre conscientemente perceptíveis), a vítima não compreende a mudança e acredita que pode fazer algo para o retorno à gloriosa fase do love bombing. Isso jamais irá ocorrer novamente, a não ser por alguma migalhas emocionais atiradas quando o o abusador julgar que está perdendo o controle.


É muito comum a vítima também não entender porque o narcisista trata a todos melhor do que a ela própria, mas isso possui relação justamente com o personagem que ele encarna. O abuso raramente se dará em público, vez que ele teme fortemente a exposição e a perda de seu status de boa pessoa.


Basicamente jamais haverá “transparência” com um narcisista, pois a maneira como ele mantém a relação é confundindo a vítima. Ele inicialmente cria a ilusão de um relacionamento com extrema confiança e segurança e pouco a pouco vai tirando essa condição, mas quem é abusado fica conectado à memória daquele começo onde tudo parecia perfeito. É diabólico.


Dessa forma, a dificuldade da vítima em deixar uma relação tóxica está no fato dela parecer amor, mas na realidade ser um vício. A vítima na verdade não ama o narcisista, ama a si mesma espelhada, em uma versão idealizada, perfeita, dela própria. Tecnicamente abusador e vítima dividem uma fantasia onde amam uma terceira pessoa idealizada (objeto interno). A quebra dessa idealização é que gera a mudança de ciclo para a desvalorização e descarte.


É fundamental que a vítima e quem compartilha ou conhece a situação de abuso, se foque nos fatos ocorridos e jamais no que é dito. O narcisista tentará controlar a narrativa de qualquer maneira. Seja com campanhas de difamação, atacando a reputação da vítima, seja com “macacos voadores”, seja com as habituais mentiras e distorções da realidade. Isso tudo faz parte do transtorno. Em muitas vezes a vítima até acreditará que ela é a narcisista. Mas os FATOS jamais mentem. E é neles que residem as verdades.


Uma outra pergunta que se faz frequente e que se cumpre responder, é porque a vítima, em muitos casos, desenvolve comportamento e hábitos apropriados do narcisista, anuindo e validando a imoralidades e até a crimes praticados pelo abusador.


Segundo Sam Vaknin, isso ocorre porque o narcisista sequestra o superego da vítima. O superego atua como uma espécie de freio psíquico da pessoa, agindo em sua consciência através dos valores introjetados por seus pais e cuidadores, e equilibrando as pulsões do ID. Como o narcisista só se relaciona com pulsões de morte (Thanatos), com emoções negativas, a vítima se torna conivente ou suscetível às decisões e atitudes malignas do abusador.


É muito comum, inclusive, passado algum tempo longe do abusador, a vítima se questionar sobre o porque de ter aceitado determinadas atitudes ou sugestões do narcisista, como ter se afastado ou odiado certas pessoas.


Por derradeiro, é importante ressaltar que é fundamental que a vítima rompa a “shared fantasy” antes de começar a terapia. Ou seja, que ela compreenda de forma cristalina que se relacionou com uma miragem, com um ator, e que o que viveu de fato não foi real vez que o narcisista não lida com a realidade, mas sim com uma distorção dela.


Se a vítima não desfizer a fantasia dividida, seu terapeuta se relacionará com o narcisista e não com ela. A voz que responderá ao “psi” será a do abusador ainda ativo em sua mente e a terapia irá falhar como ocorre com frequência em casos de abuso narcisista. Por vezes a introjeção do narcisista dura anos após o término da relação, inclusive mesmo após o falecimento do narcisista.


Espero ter sido minimamente didático em uma questão muito complexa. Por derradeiro, afirmo com pouco medo de errar, que é extremamente difícil para quem não entrou em contato diretamente com esse tipo de abuso (sortudos), perceber e aceitar como ele realmente se perpetua ao longo do tempo, por vezes por anos e décadas. Suas nuances e particularidades o tornam altamente perigoso e destrutivo, causando inúmeros problema físicos e emocionais como CTPS, que por vezes perduram a vida inteira.


Para que percebam a gravidade de dos danos causados em uma relação com um narcisista maligno (com traços de perversidade), deixo a foto de uma pessoa, que após um duradouro casamento, finalmente conseguiu se desvencilhar, não sem quase perder a própria vida.

PS.: Shawn K. Howerton teve uma longa relação com um narcisista. Hoje conta sua dura experiência como sobrevivente, como mãe de filhos do abusador, sua longa jornada de recuperação, além de trabalhar ajudando pessoas que passaram pela mesma experiência. Você pode encontrar suas contas digitando seu nome nas principais redes sociais.

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