O motivo de ser ateu é uma pergunta que recebo e respondo com enorme frequência e parece suscitar a curiosidade e algumas vezes até indignação de grande parte dos teístas. Não há motivo para isso e vou explicar calma e serenamente mais uma vez, já que o assunto costuma criar pequenas contendas.
Em primeiro lugar é preciso ficar claro que "acreditar" não é uma escolha e sim um processo. Se eu te pedir para acreditar em algo que não faz sentido para você, mesmo tentando você não vai conseguir. Se eu te pedir para acreditar em OVNIs, por exemplo, mas sua convicção e lógica não aceitar essa informação como fato, não há nada que eu possa fazer para mudar sua opinião. O mesmo ocorre com Deus. Com todos eles. E coloco no plural, evidentemente, não por acinte, mas porque ao redor do mundo pessoas acreditam ou acreditaram em centenas de deuses diferentes.
Mas você já acreditou em Deus? Sim, fui criado em lar católico, sou batizado, fiz comunhão e sou crismado. Meu primeiro e segundo grau foram no Colégio de São Bento, instituição com notória base cristã e que nos impunha alguma rigidez religiosa.
Fui cristão convicto até meus 15 ou 16 anos. Rezava com frequência, me confessava regularmente pois o colégio disponibilizava confessionários de tempos em tempos para os alunos, e era genuinamente preocupado com "pecados" e desagrados aos quais os monges elencavam como possíveis ofensas a vontade de Deus.
No meio de tudo isso estava eu. Um garoto de 15 anos rodeado de imagens sacras e sobrebatinas, e me recordo claramente de barganhar com o Criador em troca de boas notas e de me recriminar pelo desejo natural de me masturbar. Nessa idade os hormônios estão explodindo e a orientação que recebíamos era direta. A satisfação deveria vir nos sonhos. É isso mesmo. Nada de brincadeiras com seu amiguinho. Sim, a parada era séria.
Eu não me lembro precisamente quando e como ocorreu, mas a ideia de conversar com uma espécie de amigo todo poderoso parou de fazer sentido. Eu simplesmente passei a entender que falava comigo mesmo e tudo desmoronou.
De amigo a "amigo imaginário". Não encontrava mais motivos para crer por mais que buscasse. Então passei por uma fase de dúvidas, vergonha e até medo. Durante muitos anos nada falei com meus pais ou amigos. É preciso se contextualizar que a onda de ateísmo que vivemos de 10 ou 15 anos para cá era algo impensável há 30 anos, e minhas relações e vida acadêmica eram todas norteadas pela religião.
Meu pai nunca abordava religião e nunca me impôs nada, sempre me deixou livre para acreditar ou não acredtiar no que quisesse. Minha mãe era católica mas terminou sua vida sendo espírita convicta. Anos mais tarde, já bem mais velho, passei a ler sobre ateísmo (que NADA MAIS É do que não se crer em divindades - todo o resto é excesso) e ironicamente li a Bíblia e o Alcorão inteiros.
Li alguma teologia, bastante filosofia e autores como Hitchens, Harris e Dennet, estes ateus proclamados. Tive minha fase mais radical como ocorre em algum momento com quase todo apóstata, e hoje o assunto é bem mais tranquilo para mim. Mudei bastante minha percepção em relação ao cristianismo, religião que nos circunda em nosso país.
Dessa forma caminho de maneira muito mais tranquila quando o assunto é abordado, e raramente me sinto ofendido por qualquer provocação ou ironia lançada. É incrível como essa pauta gera debate e até mesmo brigas infantis. Não deveria. A discussão é sempre interessante e ambos os lados frequentemente tem algo a aprender.
O cristianismo é responsável direto pelos valores ocidentais que comungamos e deve ser valorizado e respeitado como tal. O fato de não enxergar evidências suficientes para acreditar no divino, não minora a gigantesca contribuição civilizatória proporcionada pela religião cristã.
Sempre me questionam também sobre as vantagens de se acreditar. E sim, eu "gostaria" de acreditar. Quando meus pais morreram e nos momentos difíceis que tenho passado provavelmente acreditar em uma força que pudesse alterar o destino ou o andamento dos acontecimentos seria um incontestável refrigério. Mas não funciona assim.
Ao longo da minha vida, toda as vezes em que precisei resolver algo só pude contar comigo ou com minha família e amigos. Ao menos essa é a convicção que tenho e deve ser maravilhoso acreditar que existe um Deus que possa corrigir e alterar aquilo que nós mesmos não podemos. Só não é jogo para quem nunca esteve em dificuldades.
Sendo assim, tenho vivido desde os 15 sem o amigo "imaginário" (ou não) que me acompanhava, vendo tudo o que eu fazia, sabendo tudo o que eu pensava e que me oferecia uma recompensa eterna ou uma punição eterna por meus atos e decisões. Há uma espécie de solidão filosófica em ser ateu, mas também há uma mesma liberdade diametralmente oposta em não acreditar.
Não há motivos para condenações de ambos os lados e uma dose de maturidade demonstra isso. Tenho grandes amigos religiosos e quando o assunto vem a baila, a conversa sempre tem sido proveitosa e repleta de questionamentos honestos. E é assim que deveria ser. Já somos crescidos.
Ainda espaço para mudar? Sempre há espaço para mudanças quando há honestidade intelectual e bons argumentos. O meu caso me parece além da redenção, mas consignar isso seria fazer o que mais temo, me tornar o dono da razão. Eu não "sei" se Deus existe ou não. Apenas não acredito. E está tudo bem.
Me impressiona muito também o efeito "redes sociais" nas conversões. Com um movimento conservador muito forte, o contraponto do legado do Olavo de Carvalho e seus alunos (que agora são influencers), está se tornando uma bolha católica enorme. Amigos meus, antes ateus/agnósticos, convencidos por tantas frases de efeito de gurus, psicólogos, jornalistas, etc -religiosos, se confessaram pela primeira vez. Nenhum problema na conversão, cada um escolhe o que quiser. Mas me espanta tantas vezes algo martelado em stories se fez verdade na vida de alguém. Sou ateia convicta e por motivos bobos. Não consigo imaginar no meio de tantas galáxias, é doutrina X que é a verdadeira, me parece tão pequeno. Ou, pensar que a mocinha que abortou de um…