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Foto do escritorHP Charles

Sobre o amor e suas ilusões.

Em qual momento de uma relação passamos a nos apegar às ilusões e projeções acerca dos outros, abandonando a verdade e realidade, a fim de mantermos a miragem que nós mesmos criamos? Por que ESCOLHEMOS ignorar "red flags" tão cristalinas e OPTAR pela fantasia que construímos acerca do parceiro?


Alguns diriam que no início a química, os homônios, produzem sensações tão fortes que nos cegam. E então agimos movidos pela paixão, fazendo qualquer coisa em nome desse sentimento, mesmo que seja ilógico ou prematuro. Daí, depois, inventamos sempre desculpas para nós mesmos quando os reveses, que no começo eram apenas uma pequena coceira, passam a ser dores intermináveis e insuportáveis. Quando a ficha cai. E depois criamos uma espécie de dívida da pessoa para conosco, por tudo o que investimos, por tudo o que oferecemos. Mas quem comprou a mentira? Quem avalizou os erros? Quem aceitou os desencontros improdutivos? Quem escondeu a própria dor?


Em nossa imaturidade, nosso receio da solidão, da velhice e do sofrimento inevitável, pois é condão da vida, compramos aquele pacote de biscoitos mofados. Fazemos vista de caixeiro viajante às deslealdades, nos submetemos ao controle mais narcisista, muitas vezes nos apagamos para que o outro brilhe. Nos esquecemos de nossos valores e fundamentos em um mundo enviesado e cruel, reflexo de uma narrativa surreal esposada pelas redes sociais, onde tudo passou a ser premente, potente e FALSO. Ninguém posta fotos do prato feio, da bunda flácida, de seus pecados e infâmias.


Toda a tradução da "realidade" virtual se exprime em pessoas felizes e realizadas, onde apenas o sucesso existe e jamais o Serasa. E é claro que isso afetaria as relações hoje norteadas pela fragilidade e pela "liquidez", como diria Bauman. "Tudo escorre pelos dedos, inclusive o "amor".


E então nos relacionamos com a concepção que fazemos de uma pessoa e não com a pessoa. Não com aquela que tem gases pela manhã, que esconde o celular, que se diverte com os contatinhos e com as pequenas deslealdades do cotidiano. E fingimos que isso não importa, que está tudo bem, que vai passar. Mas não passa.


Em nossa ansiedade ampliada pela programação virtual, o novo é sempre a solução. E ele precisa ser imediato, precisa ser intenso, mas não verdadeiro. Isso não. Na cultura do hoje, por que o ontem seria relevante? Por que a história de vida e a conduta seriam importantes? E então pulamos etapas e aceitamos as consequências das ilusões que cultivamos. Claro...a culpa sempre será do outro. Sempre. Não há tempo para empatia, não há tempo para cura, não há tempo para nada real. Qualquer coisa para não se sentir só, para afastar a dor. E arrasta para o lado naquele aplicativozinho onde um curral de pessoas carentes se aglomeram, dispostas a mais um orgasmo fugaz, seguido por um Uber qualquer. Depois é só engolir mais uma pílula. Há a que faz dormir, há a que te faz feliz, há a que te faz não pensar. Onde é que está a que te faz ser mais humano? Mais consciente? Mais empático?


Nós criamos as ilusões e as chamamos de amor. Mas amor é construído. Amor é luta. Amor é DESENCONTRO para ter reencontro. Se é fácil, ligeiro, automático, não é amor, acreditem. E vamos trocando as pessoas não porque são melhores, mas sim porque são mais fáceis. Isso se chama desespero e não afeto. E o que se vê por debaixo das camadas de bites em nossos celulares é exatamente isso, desespero. É ansiedade e depressão. Milhões e milhões de pessoas que cortam o corpo porque suas almas já estão em pedaços.


Tentamos então, na ânsia de manter as fantasias que criamos, mudar os outros. E como isso não vai acontecer, os culpamos porque não são aquilo que queríamos. E é claro...nos magoamos. Nos magoamos engasgados em nossas expectativas, em nossas projeções acerca de alguém que jamais existiu. E nos voltamos então não para o luto doloroso e renovador, mas sim para mais uma Roupa Nova do Imperador.


No amor não existirá jamais perfeição ou segurança, pois como é um espelho da vida, pode sempre ser quebrado. Porém há indícios, há pistas, há o passado que é sim relevante. Ninguém muda ninguém e é preciso nos perguntar o que de fato nos atraiu naquela miragem que criamos para nós mesmos, onde projetamos um ser que não existia para dormir em nossa cama. É preciso parar de culpar os outros pelo que gostaríamos que fossem. Eles sempre nos avisam, mas escolhemos não prestar atenção. Caráter se tem ou não se tem. Não há desculpas. Nem para eles e nem para nós. Há apenas o "banquete de consequências". Há sempre a vida te cobrando o preço.


Mas há saída? Há. Claro que há. E a saída é se despir emocionalmente a fim de que logo no início não haja espaço para máscaras e manipulações crueis ou infantis, ou joguinhos de poder. Se há possibilidade de acerto, divida suas dores e não apenas seus sucessos. Se mostre sem maquiagens, sem escudos, sem subterfúgios. Ultrapassados nossos piores defeitos e máculas, nos tornamos transparentes para um amor genuíno, digno . E é com isso que devemos nos relacionar. Também com as mochilas de pedras que colhemos ao longo do caminho. Se você mostrou suas cicatrizes, se se permitiu fragilizar e ainda assim aquela pessoa permaneceu, te aceitando e desejando quem você realmente é, te puxando para cima, te catapultando para um sentimento REALMENTE melhor, então você achou alguém. Algo raro nesses dias tão impessoais e individuais.


Quando procuramos muito, acabamos por encontrar o que não queríamos. Quando apressamos o andar da vida e da renovação, acabamos vendo brilho onde não existe, pois o cintilar nada mais é do que o resultado de nossos medos e ansiedades pintados de ouro. As armadilhas são permitidas por nós mesmos e nós colocamos o pézinho para acioná-las. Depois culpamos o outro. O outro "era um narcisista, o outro era um psicopata". Mas um vampiro precisa ser convidado a entrar. Nunca se esqueça, no entanto, que o sangue a ser sugado será o seu.


Opte pela verdade, mesmo que ela machuque. A verdade jamais será desleal, jamais te trairá. No final, as dores foram perpetuadas por nós mesmos quando ESCOLHEMOS a fantasia dourada que jamais existiu. O real amor e a relação mais genuína apaarece quando estamos dispostos a abraçar todos as pequenas imperfeições que compõem um quadro muito mais relevante, completo e complexo. E ele deve sempre ser aquele onde alguém que te inspira a ser melhor.

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