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Foto do escritorHP Charles

Suicídio, paixão e literatura

O que uniria, além da literatura, Antero de Quental, Virginia Woolf, Cesare Pavese, Ernest Hemingway, Yukio Mishima, Ana Cristina César, David Foster Wallace, Florbela Espanca, Mario de Sá-Carneiro, Violeta Parra, entre tantos outros? Sim, todos eles optaram pela Auto-aniquilação.


Na música o fenômeno parece não ser diferente, o que nos leva a ampliar a discussão para além da literatura. Ou seja, qual é a relação da linguagem criativa e o suicídio?


Na literatura o fenômeno remonta às tragédias gregas, os tempos antigos, nos faz recordar imediatamente dos mensageiros encontrando Antígona e Jocasta. No Inferno de Dante, é reservado para o suicídio, uma imagem sofisticada e elaborada. Tolstoi, Shakespeare, Flaubert, Goethe, Dostoiévski, todos eles abordaram o suícidio de forma relevante em suas obras.


Faço uma pergunta: é possível haver poesia além da tragédia de um ato irrevogável? A criatividade exarcebada, se é que isso é possível, conduz à tamanho aprofundamento das reflexões acerca do mundo e da vida que ela se tornaria insuportável? "Enxergar mais, sentir mais", gera um preço muito alto?


Em que momento as obras se traduziriam no que Camus chamou de "o mito decisivo"? Poderia a estética da ação nos contar sobre o autor e seu estado psicológico? Ocorreria então uma mistura, um borrão entre biografia e ficção?


Me parece notório que a criatividade impõe um tipo de visão que intensifica o sentir de uma forma e magnitude que ele venha a se tornar insuportável. A literatura, a escrita e seu condão de fluxo de consciência, me parecem que possam conduzir a pena por caminhos dolorosos e perigosos. Para quem escreve e até para quem lê.


Já ouviram falar do "Efeito Werther"? Tal fenômeno refere-se a um pico de emulações de suicídios depois de um suicídio amplamente divulgado. O nome se deve ao romance "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Goethe.


Sendo assim, a publicidade de um suicídio levaria a outros em pessoas suscetíveis em uma espécie de "contágio", como se um gatilho houvesse sido disparado. Em sua obra, o jovem burguês Werther, discorre, através de cartas a um amigo, sua paixão por Carlota, que está prometida a Alberto. Desiludido por esse amor platônico que ultrapassa quaisquer razões, Werther se mata com um tiro na cabeça.


Uma onda de suicídios então se inicia por toda a Europa com jovens que se vestiam como Werther, repetindo o tiro disparado na obra, agora transposto para o mundo real. Tal "epidemia" levou o livro a ser proibido em toda a Europa e conduziu a psicologia a estudar o fenômeno.


A literatura e o suicídio possuem uma ligação indiscutível, seja pelo que é carregado no papel, seja pelo destino de quem escreve. Não é à toa escritoras e escritores amealharem tantas paixões, em uma imersão onde muitos confundem obra com o autor. E isso ocorre tanto para o bem, quanto para o mal, vez que muitos leitores não conseguem fazer a separação pertinente.


Sim, por vezes a identificação é tanta que nos sentimos íntimos de determinado escritor. Em minha juventude, meu sonho não era conhecer algum astro do rock ou um atleta famoso, e meus primeiros ídolos foram Conan Doyle e Rui Barbosa. Só depois veio Zico, alguém bem mais apropriado para um menino adolescente.


A literatura tem um poder impressionante, não se questiona. O mesmo clássico do romantismo escrito por Goethe e que provavelmente levou muitos a se apaixonarem pela leitura, levou outros a aniquilarem sua vida, e isso pode dar uma medida de quanto pode ser a influência de um texto. Tanto para um lado, quanto para o outro.


Muito se atribui ao sofrimento como mola para a excelência literária. Ou artística. Pessoalmente acredito nisso não como "necessidade", mas como um fato inerente à vida. Inúmeros artistas dirão, se perguntados, sobre a relevância ímpar da dor e da crise na prodigalidade de suas obras. Dostoiévski afirmou uma vez que "o sofrimento acompanha sempre uma inteligência elevada e um coração profundo. Os homens verdadeiramente grandes devem, parece-me, experimentar uma grande tristeza". É provável que tenha razão.


Mas qual é o limite, se é que há algum possível?Até que ponto, ser consumido pelas chamas pode significar renascimento e não extinção? Talvez a única coisa que importasse na vida de tais prodigios fosse seus trabalhos e legados, e nada mais. Quantos não deram cabo de sua própria vida pela ação direta de uma bala, de uma corda, de uma dose de arsênico, mas o fizeram através do copo e do fumo? É claro que isso também é suicídio. Poe foi um desses seres magníficos que, viveu tantas tragédias em sua vida, tantas perdas e tantas mortes, que viu no álcool a única solução possível. Supostamente, teria um dia gritado "DEUS TENHA PIEDADE DA MINHA ALMA” e caiu completamente morto. Verdade? Mito? O que se sabe é que o álcool foi seu real companheiro de vida depois da morte de sua esposa e que provavelmente ocasionou a sua própria.


Fato é que a história da literatura jamais pode ser dissociada da dor e do suícidio. A intensidade costuma criar tragédias, e não é à toa que a origem etimológica da palavra paixão é "pathos", em síntese apertada, ela seria uma espécie de doença. Apaixonados então seriam pessoas doentes, vez que não seriam conduzidos pela razão. Difícil discordar, pois todos já tivemos nossas paixões, enfrentamos o mesmo turbilhão químico e emocional que nos conduziu a atitudes e percepções que não teríamos em condições normais.


Quantos desses magistrais escritores não tiveram suas mentes e suas penas conduzidos por dores insuportáveis, por paixões destrutivas, por sentimentos por demais grandes para seus próprios corpos? Como leitor e como alguém que escreve desde a infância, essa questão sempre me intrigou.


Qual é o limite da entrega? Qual é a propriedade do distanciamento? Qual é a fagulha que impulsiona a consciência? Buscariam na caneta a eternidade impossível como humanos? Se aniquilariam por que já teriam cumprido seu papel, deixado seu recado? Ou seriam apenas pessoas cujo sofrimento - o mesmo que custou suas vidas, tivesse sido a crase sanguínea de alfarrábios incrivelmente importantes para que, como os meros mortais que somos, aproveitássemos um copo de café e pudéssemos postar, um dia, fotos indolores e insípidas no Instagram?





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