Lacan afirmava que só somos capazes de suportar nossa vida porque sabemos que ela terá fim, sem tal certeza a existência nos seria praticamente inviável de ser desfrutada. Por vezes também acreditamos que o tempo que supomos que teremos nesse planeta azul será maior do que costuma ser.
Tal medo costuma causar as mais diversas reações face a um destino certo, que é comungado por toda a humanidade. Alguns criam urgências a desejos, outros se deprimem, outros passam boa parte da vida com uma espécie de espada em suas cabeças, desenvolvendo neuroses e fobias oriundas do medo da morte.
A religião provavelmente surgiu como um paliativo para o medo da finitude. Como uma explicação para o que não se podia controlar. Nos tempos antigos, o homem era absolutamente sujeito às intempéries, não sabia acerca da existência de microrganismos capazes de nos destruir em poucos dias, não se sabia de fato porque morríamos na maioria das vezes. E então era mais conveniente atribuir nosso destino a uma figura toda poderosa que assim o desejou. Isso proporcionou uma espécie de pseudo controle mental e social que tornou mais fácil “negociar” com o inevitável.
Poderíamos ao menos pedir para esse ser onipotente para que nos curássemos, para que o clima fosse mais ameno, para que a dor parasse, seja ela qual fosse. Prometeríamos em troca sermos melhores. Inventamos também uma forma de punição caso não nos comportássemos e um prêmio caso atendêssemos a valores e interesses divinos que facilitassem a vida em comum. Inferno e céu. Punição e prêmio. E assim mitigamos o medo do que não se pode evitar ao passo que controlamos a vida na “tribo”. Útil.
Em que pesem as considerações teológicas de cada um, o abrigo que tais crenças e conjecturas oferecem, o que realmente “sabemos” é que um fim nos aguarda. Mas não seria a vida que assusta e não a morte em si? Até quando morremos o B.O. fica para quem ainda caminha pelo planeta, não? A morte seria então alívio? Descanso? É um pensamento perigoso e enganador.
A vida é um bem precioso, o mais precioso de todos. E é porque enquanto há vida, por pior que a situação seja, há a possibilidade de mudança, de crescimento, de evolução. Talvez por isso o medo da morte seja tão frequente e tão grande para muitas pessoas. O receio da extinção pessoal, de abandonar pessoas e a matéria é absolutamente intenso para muita gente.
Não raro esse sentido de preservação que origina a fobia de morrer pode causar problemas emocionais e físicos relevantes, e que precisam ser tratados terapeuticamente. Os pensamentos intrusivos e obssessivos podem elevar o medo de morrer a uma condição que prejudique a própria vida, de uma forma nefastamente irônica.
Na medida em que envelhecemos me parece natural tal medo diminuir como resultado de uma aceitação natural de nossa finitude. Ou seria o cansaço e desgaste de nossos corpos face a ação do tempo? Pode ser um monte de coisas e a filosofia as tem abordado desde sempre.
Faz muito tempo que perdi o medo de morrer. O que me assusta mesmo são as mudanças bruscas em nossa sociedade, o caminho que a humanidade parece trilhar à luz do desenvolvimento tecnológico, o esquecimento de tradições e desprezo por valores milenares, os psicopatas, a maldade. A vida em si me parece muito mais assustadora do que a morte. Mas ela vale a pena ser vivida? Essa é uma questão fundamental da filosofia cuja resposta parece ser particularmente complexa e difícil. Mas eu diria que sim. Claro que sim.
Acredito que o controle ou equilíbrio do ego, o apego à realidade, com o natural abandono de fantasias e idealizações, pode tornar a vida infinitamente melhor. Claro, é preciso coragem. Mas separar a ilusão da fantasia, o desejo da necessidade, negociar com suas pulsões, compreender que a felicidade é sempre transitória, como todo o resto, pode nos libertar de medos e fobias, inclusive do terror de não mais existir.
Tudo se vai um dia. Tudo o que possuímos é emprestado, o que apenas consigna o que sabemos…que o materialismo é inútil, improfícuo e burro. Uma vida pródiga sempre estará ligada ao ser e não ao ter, por mais que nos iludamos com propagandas e com a vida alheia, em comparações tolas e infantis.
A NOSSA vida terá sentido e o propósito que dermos a ela, baseada em nossas conexões, em nosso conhecimento e evolução pessoal e consciente. E não importa se descobriremos isso com 20 ou 50, pois a grande tragédia seria jamais descobrir.
Nesse diapasão, por que temer o inevitável? Não há motivo real para tal. Quem possui esse medo apenas precisa ajustar sua consciência, e talvez até precise de ajuda para isso, mas quando o fizer perceberá que cada dia é uma oportunidade para apontar o leme em busca de ventos melhores. Isso pode significar qualquer coisa em busca de uma realização pessoal.
O medo do futuro com frequência amputa o presente e por isso a ansiedade é a doença do momento, aprisionando bilhões ao redor do mundo. Mas o que realmente temos é apenas o presente e nada mais se controla. Viva hoje, faça hoje, decida o que for possível decidir para hoje. Eu garanto que isso te trará um gigantesco alívio.
Quanto à morte…ela um dia chegará. Para todos. Mas como você a receberá? Tendo vivido ou não tendo vivido? E de que forma? Isso sim você pode mudar. Pense nisso.
Não há nada a temer.
"Não é nada morrer; é terrível não viver.
(Victor Hugo)
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