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Foto do escritorHP Charles

Uma pequena história de amor.

Atualizado: 27 de fev. de 2024

Eu nunca me esquecerei de um dia cinza de outubro de um domingo específico, em minha adolescência. Enfrentava os dilemas que à época pareciam tão importantes quanto intransponíveis acerca da escolha de minha carreira profissional. Eu vivia ainda uma paixão juvenil, daquelas intensas mas confusas, meio sem saber onde me segurar, sem bulas, sem paradigmas e sem aparos.


Fui um jovem melancólico que gostava de The Smiths e de Legião Urbana, e apesar do namoro com uma jovem e bela aluna de meu pai do Colégio Santo Agostinho (eu estudava no São Bento e tudo parecia conexão e pecado), me sentia só. Seus olhos verdes, sua ternura e inocência, seu real afeto e desejo por mim, pareciam como um palácio que se desmoronaria a qualquer momento. Eu não acreditava que pudesse ser amado por alguém tão perfeita. "As meninas do Leblon olhavam para mim". Pelo menos uma delas. E isso era muito. Ela era tudo que alguém como eu poderia desejar em minha pós adolescência, com meus livros precoces, intelectualizados, e com meus cabelos encaracolados.


O telefone tocou, pontual, e já ao atender, ela notou minha aflição. Bastaram alguns milisegundos. Eu aprenderia muito mais sobre a famosa intuição feminina ao longo de minha vida. Perguntou direta: "você está bem, Beto?". Eu não estava, havia muita coisa em minha cabeça, dúvidas, inseguranças, incertezas, a estima estava baixa, como deveria estar. Tocava alguns acordes quaisquer em meu violão, preso a meu colo, ao mesmo tempo em que segurava o telefone com o ombro e a cabeça. Ela sentiu meu peso, minha insegurança imberbe, exagerada, infundada, até. Mas isso não a deteve.


E então, ela proclamou, do nada, subitamente, tudo que precisava ouvir e que jamais tinha ouvido daquele jeito. Um abracadabra conjurado por uma mulher em construção a um homem em construção. Disse: "Beto, eu te amo. Muito. E tudo vai ficar bem". E imitou gentilmente o som de um longo beijo que ecoou por semanas em meus ouvidos. E maravilhosa, me perguntou..."pegou esse beijo? Foi em sua boca".


Aquilo me atingiu como um soco no estômago. Porque era tudo o que eu realmente precisava ouvir ou sentir. Tudo o que precisava para "ser" e levantar meu queixo. Foi um presente do qual nunca me esqueci, e naquele momento compreendi muitas coisas. Compreendi que o que me afetava não eram minhas inseguranças profissionais, acdêmicas, ou meu futuro, mas sim o meu presente. E ela percebeu isso. Madura, sabia que era a única coisa que ela podia modificar de verdade. Chorei envergonhado, convulsiva e copiosamente. Foi a primeira vez que chorei na frente de uma mulher. E ela ouviu tudo. E me jamais me diminuiu ou me fragilizou por isso. E eu a amei por isso. Era uma rainha em seus 16 anos.


Então me disse..."agora você sabe, Beto. É uma pena, uma vergonha, que apenas agora, somente aos 17 anos, alguém tenha te dito isso. Que você merece ser amado e que você É amado."


Aquele domingo mudou minha vida. Me fez rever minhas prioridades e me tornou um homem melhor. Me fez amar as mulheres como seres mágicos, como pessoas com poderes que nós homens, jamais teríamos. Videntes e malabaristas.


Vislumbrando a velocidade das paixões líquidas, breves e insignificantes hodiernas, eu ainda me vejo ainda apaixonado pela jovem menina de olhos verdes que parou o tempo o esculpindo em mármore, e que me deu tudo o que realmente precisava naquele domingo chuvoso. Abrigo. Quantos homens ela salvou? Quantos ergeu? Quantos construiu?


Em tempos onde o amor e o afeto é falseado e desfeito em cliques robóticos e imediatos, me dou conta do amor perene criado com apenas uma frase e que forjou meu caráter afetivo em curtos segundos de total entrega, coragem e honestidade. Um ato de inspiração que me fez mais inteiro, e que consignou uma paixão eterna e imutável.


Me pergunto como em uma semana amores jurados são esquecidos e enlaces tão preciosos são apagados tão facilmente. Eu ainda não superei aquela rainha adolescente de décadas atrás e que sabia mais de mim do que eu mesmo. Provavelmente ainda sabe até hoje, se viva estiver. Em tempos de amores líquidos, de aplicativos que suprimem o sacrosanto luto e que te vendem orgasmos vazios ejaculados em lençóis molhados, anônimos e insignificantes, percebo que o mundo precisa mesmo é de telefonemas súbitos, ofertados por pessoas que realmente se importem e que façam outros se sentirem importantes. Porque o são.


Eis aí uma história de amor. Uma real. Nela não havia um príncipe, ou um rouxinol, mas uma rainha de 16 anos e seus olhos verdes. Ela era capaz de amar e isso fez toda a diferença. E você? Também é capaz de amar?


"Existe uma luz que nunca se apaga".

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